Descubra como atuar em situações potencialmente perigosas sem entrar necessariamente num confronto físico.
Já era de noite quando a Vera
Cardoso se apercebeu de que podia estar metida num grande sarilho: ao sair de
um pavilhão da Cidade Universitária, em Lisboa, ouviu alguém gritar
desesperadamente. Foi quando viu um rapaz de cerca de 14 anos a fugir de um
grupo de cinco adolescentes.
Não havia ninguém à distância de um grito, e,
consigo, Vera apenas transportava o saco de treino. Tentando deixar
transparecer uma segurança que não sentia, Vera olhou cada um dos jovens nos
olhos enquanto estes não deixavam de olhar para ela. Dissimuladamente, apertou
e desapertou o saco contra o seu corpo para aliviar a tensão que sentia nos
músculos, ao mesmo tempo que, também sem o mostrar, respirou fundo algumas
vezes para se acalmar e pensar com mais clareza.
Pensou reconhecer um dos jovens: "Eu
conheço-te, não é verdade?", perguntou-lhe sorrindo. “Não participaste naquele
jogo de basquetebol que nós organizámos há poucas semanas?” Ele murmurou
qualquer coisa.
"Bom estivemos agora mesmo a jogar", continuou
Vera prudentemente, “mas imagino que este desporto não seja suficientemente
duro para valentões como vocês.” Quanto mais ia falando, mais sentia a tensão
diminuir, acabando por convencer os rapazes a abandonar o recinto desportivo.
Depois, conduziu o jovem ameaçado para o seu carro e levou-o a casa.
Se, por um lado é verdade que Vera teve alguma
sorte pelo facto de conhecer vagamente um dos elementos do grupo, o seu bom
desempenho nesta situação baseou-se sobretudo num conjunto de técnicas de
controlo de stress aprendido em aulas de Defesa Pessoal.
Desde sempre que existem pessoas, como no caso
de polícias e seguranças que, nas suas profissões, enfrentam regularmente
situações de conflito violento. Na sociedade atual, em que a violência faz
parte do quotidiano, é caso para pensar no que se poderá fazer para gerir da
melhor forma possível uma situação potencialmente perigosa em que nos possamos
encontrar.
A verdade é que caso nos sintamos ameaçados,
quer seja por um bêbado na rua ou por um condutor enraivecido, há muito que
poderemos fazer para evitar um confronto físico.
Não deixar de falar. No caso de estarmos perante uma pessoa zangada
ou violenta podemos tentar acalma-la falando com ela. Ao fazê-lo de forma que a
nossa voz alcance um tom baixo teremos boas hipóteses de mudar aquilo que o
outro tenha em mente fazer.
Para além desta técnica nos permitir ganhar
tempo, que pode ser utilizado para chamar a atenção de outras pessoas ou para
melhor nos posicionarmos física e emocionalmente – sem inflamar ainda mais a
agressividade do nosso interlocutor – com um pouco de controlo e habilidade o
conflito talvez se possa dissolver.
Ouvir sem discutir. É frequente as pessoas gritarem devido à sua
frustração ou medo. Isto pode acontecer nas mais diversas circunstanciam como
no caso em que alguém está sob o efeito do álcool, droga ou com problemas
emocionais. Nestas alturas pode faltar muito pouco para que elas partam para a
violência. A forma desajustada como respondemos a estas situações pode
desencadear um confronto bastante desagradável.
Quando se lida com uma pessoa furiosa, não é
construtivo assumirmos uma atitude moralista. "Compreendo que se sinta muito
zangado com isso" é, frequentemente, melhor resposta que dizer "Não gosto da
maneira como está a falar comigo". Outra opção será simplesmente mostrar às
pessoas o caminho mais prático: "Se não se acalmar não vou conseguir ajudá-lo".
Manter um tom de voz baixo e sem alterações
enquanto se fala pausadamente, utilizando um vocabulário simples, é essencial
para se inverter uma situação potencialmente perigosa.
Linguagem corporal apropriada. A nossa postura física pode fazer
muito para transformar uma situação de tensão numa situação de violência ou de
acalmia. O truque é transmitirmos uma imagem de autoridade, mas não
autoritária.
É indispensável evitar as
posturas agressivas (cruzar os braços, colocar as mãos nas ancas ou apontar o
indicador) e os movimentos bruscos ou repentinos – situações que podem ser mal
interpretadas. Dentro do possível procurar transmitir uma imagem de descontração e abertura. Olhar a pessoa nos olhos, mas evitar fazê-lo
permanentemente, pois isso poderá parecer-lhe ameaçador.
Se a situação ameaça descambar em violência é
melhor afastar-se calmamente sem deixar de olhar para a pessoa. Assim ela não
pensará que está a assumir uma atitude de desprezo.
Numa situação de "luta ou fuga", as pessoas
ficam tensas e começam a respirar com menor profundidade, fazendo que o
oxigénio não chegue ao cérebro. Esta situação desperta por sua vez uma reação
em que as articulações e os músculos trabalham com maior eficiência. Assim,
quando nos sentimos em dificuldades, é normal exibirmos uma linguagem corporal
mais agressiva, pese embora o facto de nos estarmos a sentir assustados.
Respirar fundo algumas vezes e de forma
discreta é uma boa ajuda. Ao fornecermos mais oxigénio ao cérebro, estamos a
restaurar a circulação normal e a ajudar os músculos a movimentarem-se com
maior à-vontade. E, acima de tudo, ajudamo-nos a nós próprios a pensar com
maior clareza e a assumir um domínio mais consciencioso da situação.
Manter a distância. Quando as pessoas estão zangadas, necessitam de
uma zona de segurança própria maior que nas outras situações. É aconselhável
manter uma distância de pelo menos 1,5m. Se alguém nos atacar, teremos assim
mais espaço para nos esquivarmos, empurrarmos o agressor para trás ou aplicar
técnicas de autodefesa.
O instinto de muitos homens é de não recuar se
alguém lhes encosta a testa à sua. Isso é um erro grave. Por um lado estamos a
marcar uma posição que ira conduzir a mais agressividade e por outro lado
corremos o sério risco de sofrer uma inesperada e violenta "cabeçada". Uma das
chamadas "técnicas sujas" frequentemente utilizada em luta de rua.
Outro ponto importante é evitar tocar ou
colocar o braço em volta de um estranho enfurecido, uma vez que isso pode ser
interpretado como um ataque.
Manter a distância (e a calma) é
particularmente importante quando se conduz. Um grande número de pessoas já foi
vítima de situações de violência no trânsito. O melhor a fazer, sempre que
façamos algo de errado na estrada é levantar a mão de forma bem visível,
pedimos assim desculpa aos outros automobilistas.
Imagem segura. Certificando-nos de que não humilhamos uma pessoa
que nos ameaça na frente dos outros pode arrefecer uma situação de pré
confronto.
Um dos rastilhos mais comuns para as situações
de violência grave de hoje em dia é quando alguém é impedido de entrar ou
expulso de uma discoteca. Quando uma pessoa já bebeu uns copos, de certeza que
não vai deixar que o humilhem à frente dos companheiros. E, com gente menos
hábil, isso pode levar à violência. Quando alguém tem de ser expulso, é melhor
tratar disso longe dos outros. Por exemplo, numa discoteca movimentada o
segurança ou o porteiro pode dizer: "Não consigo ouvir. Não se importa de vir
comigo mais para este lado?"
Numa conhecida discoteca de Lisboa presenciamos
a seguinte situação: um indivíduo embriagado estava a provocar alguns
distúrbios o que fez com que tivessem de o expulsar. Apesar da confusão os
seguranças conseguiram, com alguma habilidade, afasta-lo dos amigos. Então o
chefe da segurança explicou-lhe que, como era um cliente regular, voltariam a
deixá-lo entrar noutro dia se saísse a bem, mas que, se tivessem de o atirar lá
para fora, nunca mais o deixariam entrar. Desta forma, tendo-lhe sido dada
oportunidade para escolher por si, o homem acabou por sair voluntariamente.
Saber quando sair. Existem situações das quais as pessoas não
conseguem sair pelo diálogo. Nestas circunstâncias uma estratégia de fuga é
sempre preferível do que acabar por correr riscos desnecessários. Isto não
significa cobardia mas sim que em função da situação (normalmente
desproporcional para nós) escolhemos a opção mais inteligente.
No caso em que não existe outra hipótese a não
ser lutar para se defender, pode ser utilizada uma estratégia que consiste em –
quando o agressor menos esperar – atingi-lo rápida e energicamente com uma
sucessão de golpes dirigidos para alvos vitais, como por exemplo: olhos,
garganta, testículos e joelhos. A ideia é, no mínimo, fragilizar e confundir o
agressor durante uma pequena fração de tempo, criando assim uma oportunidade
que nos permita a retirada o mais rapidamente possível do local.
Mas tenha em conta que, mesmo em tempos
violentos como aqueles em que vivemos, as possibilidades de sermos atacados
fisicamente podem ser reduzidas. Se soubermos tomar algumas precauções em
termos de prevenção e desenvolvermos uma estratégia de gestão de conflitos
apropriada, os riscos serão bem menores.
Não espere que aconteça algo de perigoso para "exercitar" as suas atitudes e a maneira como controla o stress em situações de conflito. É precisamente no dia-a-dia das nossas relações com os amigos, colegas, familiares ou mesmo estranhos, que podemos trabalhar a forma como reagimos aos pequenos conflitos inerentes a todas a relações. Esse investimento também faz parte do nosso crescimento como pessoas e vai colaborar seguramente para nos ajudar, caso algum dia o inesperado aconteça.