24 de abril de 2016

O TREINO “REAL” EM DEFESA PESSOAL

Na realidade, nunca se poderá desconsiderar a importância do treino. Através dele, estás a aproximar-te o mais possível da situação que queres evitar – um confronto físico. Parece um contrassenso:  expões-te precisamente à situação que queres evitar... Mas, na realidade, trata-se de uma "vacina" – através dessa exposição, obtêm-se "anticorpos", na forma de uma dessensibilização ao stress e medo inerentes, e uma acumulação de conhecimentos e reflexos cuja aplicação prática será extremamente útil.


Assim, quando  realmente te vires nas situações reais para que treinas-te, a tua reação será muito mais estruturada e organizada; de facto, um dos mecanismos psicológicos humanos é o que nos faz reagir de forma adequada apenas ao que conhecemos e experimentámos (chamasse acumulação de experiências), de contrário podemos fazê-lo de forma ineficaz, ou até "congelar", isto é, imobilizarmo-nos e não fazer nada, como um animal no meio da estrada, sob a luz dos faróis de um carro. E todos sabemos o que lhe acontece depois...

É muito conveniente possuir experiência de ser assaltado (!!!). É por isso que convém treinar realisticamente. (Treino baseado na realidade!) Claro que, para isso, não vamos expor-nos ao acontecimento real, mas sim adotar um treino que nos coloque o mais possível em situações tão próximas quanto se consiga do acontecimento real.

Todos conhecemos aqueles "cursos" em que os praticantes treinam ataques e defesas estilizadas, sempre os mesmos, até ficar muito hábeis em executá-los. Um treino deste tipo é perigoso, por diversas razões. Em primeiro lugar, porque nos dá uma falsa confiança: se passamos meses ou anos a treinar, e se conseguimos executar o que o professor quer de nós, é lógico supor que estamos preparados para nos "defender". Em segundo, porque nos inculca um comportamento mecânico que, como não corresponde ao que vamos encontrar na rua, nos coloca em perigo.

A prova disso é que, quando estamos a "treinar" uma técnica de, por exemplo, defesa contra um soco da direita e inesperadamente atacamos o adversário com uma esquerda ou um pontapé, ele fica todo baralhado (e até somos por vezes recriminados por ele ou pelo "mestre" por estarmos a "fazer batota" ou a "não dar a devida atenção ao treino"!!!). Na rua não há o conceito de batota – o adversário fará de certeza TUDO para vencer. Sem regras.

Na realidade, procederemos como treinamos. Tudo o que fazemos repetidamente durante o treino nos condiciona, até o executarmos sem pensar. E é aqui que surge o problema: se o treino é real e sensato, isso é bom; se não, isso é muito, muito mau. Se treinamos com um professor que acha que o melhor do mundo é o karaté (ou o judo, ou o aikidô ou o kung-fu, ou etc., etc), com exclusão de tudo o mais, ou que é partidário de treinar contra situações predeterminadas, mais tarde ou mais cedo vamos ter problemas.

Não me interpretem mal – tudo depende do nosso objetivo. Qualquer destas artes marciais não é má só por si; de facto, qualquer delas constitui um importante instrumento de condicionamento físico, bem-estar físico e mental e sã convivência e divertimento. Mas, como são praticadas numa ótica desportiva (altamente codificadas, com regras de etiqueta, comportamento e segurança), é isso que fica gravado na nossa memória muscular. E ninguém quer fazer vénias a um assaltante que nos ataca com os punhos ou uma navalha, ou hesitar em bater porque está habituado a controlar os seus golpes (para não magoar o parceiro) ou tentar golpear pontos pouco sensíveis (porque os pontos vitais são proibidos em competição), pois não?

Talvez até mais do que o corpo, devemos treinar a mente para reagir de modo adequado, senão estaremos a fazer o mesmo que outros métodos: aprendendo apenas técnicas para situações específicas, em vez de aprender princípios que podem ser aplicados a qualquer situação.

O primeiro passo para obter o que se quer é fazer a pergunta: o que é que eu quero? Mesmo antes de considerar os princípios ou valides dum sistema de autodefesa devemos primeiro responder a esta questão. Qual é o objetivo que eu desejo ao adotar este treino? É desta resposta que depende todo o nosso futuro nesta área, e até o preço que estamos dispostos a pagar por isso.

E a resposta deve ser: Eu treino autodefesa porque desejo aprender a lidar com ataques físicos potencialmente letais provenientes de uma ou mais pessoas, com o fim de preservar a minha integridade física e psicológica (e a de outros que eventualmente me rodeiem).

Se o que queres é competir dentro das artes marciais, acharás certamente muitas artes e desportos de combate que te proporcionarão uma excelente instrução e apaixonantes competições. Aí poderás, com segurança, comparar a tua habilidade com a de outros competidores, dentro de regras acordadas internacionalmente e sob a vigilância de juízes e árbitros.

Mas compreende: as técnicas de autodefesa não te darão nada disto! Igualmente, as artes marciais desportivas não te darão obrigatoriamente segurança na rua. Claro que podes pensar: Mas será que não posso treinar para competição desportiva e também para me defender? Infelizmente, a resposta é NÃO!!! A razão para isto é que... atuas como treinas – SEMPRE!!!

Se  treinas num dojo/escola, com regras que te dizem uma e outra vez que não deves empregar mais do que essa força nas técnicas, para manter a segurança perante o parceiro, e que não podes sequer tentar atingir a sua cabeça, face ou genitais, fica certo de que, quando o quiseres fazer, o automatismo adquirido durante o treino irá restringir – e muito – a tua forma de combater, e  irás reagir a um ataque real, desencadeado por um criminoso, do modo como o fazes no ginásio, restringido pelas regras. E, na rua, isso será fatal. Porque, bem vê, o agressor não se comportará do mesmo modo: Essas regras só se aplicam a ti, porque treinas-te desse modo. O teu agressor não terá restrição alguma!!!

Exemplos? Há uns anos, nos EUA, foi aberto um inquérito (como é habitual) no prosseguimento da morte de dois polícias num tiroteio. Durante esta investigação foram revelados factos muito perturbantes.

A carreira de tiro onde estes dois agentes faziam há anos a sua prática de tiro ao alvo era comandada por um oficial altamente competente e muito exigente com os procedimentos e limpeza das suas instalações. Por isso, e durante o tiro, os praticantes eram obrigados a, ao abrir o tambor dos revólveres para retirar os cartuchos vazios e recarregar, despejá-los na mão e guardá-los no bolso.

O problema é que, numa situação real, os polícias devem vazar os cartuchos no chão enquanto recarregam as armas, não se importando minimamente onde eles caiem. É mais rápido. Claro (dirão vocês) que numa situação real estes dois profissionais altamente treinados ultrapassariam este condicionamento e atuariam de modo adequado?!

ERRADO!!! Ambos os mortos tinham nas mãos e nos bolsos cartuchos vazios, exatamente como lhes tinha sido gravado nas mentes durante o treino!!! Mesmo enfrentando uma situação real, onde esses segundos extras talvez tivessem significado a diferença entre a vida e a morte, não se conseguiram subtrair ao condicionamento sofrido.

É por isto que  deves ser extremamente cuidadoso no modo como treinas fisicamente para autodefesa. Há um processo de codificação que é "instalado" quando se treina, e é esse processo que ultrapassa tudo, determinando as tuas reações sob stress. Quando a adrenalina inunda o teu organismo e tu praticamente deixas de pensar (ou pelo menos deixas de pensar normalmente, como o fazes quando calmo), é este condicionamento que prevalece.

Por isso, tem cuidado: assegura-te de que estás a treinar para as situações que te poderão aparecer na rua, não no ginásio!!! Pela tua saudinha.

Quanto mais complicada for a situação mais simples deverá ser a técnica empregue, pois nessas condições o teu cérebro só se lembrará das coisas mais básicas e primitivas, não das mais sofisticadas.

Na China, um amigo observou uma equipa de kung fu Wu shu (os célebres Monges de Shaolin) treinar o seu espetáculo. Para os que não sabem, Wu shu é uma arte marcial chinesa que é apresentada em público, num espetáculo coreografado tão intrincada e minuciosamente como o Lago dos Cisnes no Bolshoi! As lutas são muito elaboradas e dá muito trabalho e prática montar um espetáculo convincente.

Eles tinham sido autorizados pelo Instrutor Chefe (ausente) a assistir ao treino, todos ocidentais e os monges (todos adolescentes entre os 13 e os vinte e poucos anos) estavam excitados e propensos ao “show off”. Putos são putos em todos os países do mundo, não é? E então observou-se uma coisa interessante: de todas as vezes que alguém queria brincar, tudo o que tinha a fazer era executar um movimento diferente do habitual, ou fora do seu lugar. Literalmente,  estavas a ver uma cena que juraria ser uma luta mortal entre dois combatentes superiores; os movimentos evoluíam, rápidos, fluentes, perigosos; de repente um dos rapazes fazia algo fora do contexto, como dar uma leve bofetada no outro, ou puxar-lhe o nariz, como nos Três Estarolas. E acabava tudo a rir, fazendo um intervalo.

Só muito mais tarde, depois de meses de treino, compreendemos que este era exatamente o processo pelo qual a maior parte das artes marciais e desportos de combate são ensinados, em especial quando o "ensino" é supostamente de defesa pessoal: basicamente há alguns padrões que se memorizam para responder a vários ataques coreografados. Memorizar estas respostas a ataques previstos  até poderá parecer bom. Mas o que vai acontecer quando alguém variar o ataque? A maior parte dos estudantes congela ou atrapalha-se. Porquê? Porque nunca lhes ensinaram realmente a lutar.

Basicamente o que eles aprenderam foi a "dançar" e, enquanto tudo seguir a sua "rotina", até pode resultar. Mas todos sabemos que as coisas nunca se passam tal e qual as planeamos.

A luta não deve ser diferente, quer estejamos num ginásio ou na rua, num combate mortal com os nossos atacantes. A única diferença é que no ginásio tu não mutilas ou matas o teu adversário, se bem que os movimentos sejam os mesmos (apenas a um ritmo aceitável para o parceiro). Se, pelo contrário, estamos a operar de modo a memorizar uma dada resposta a um ataque, isso é apenas um movimento de dança, até um treino de coordenação, mas não uma luta!

Quando não conhecemos esta diferença podemos facilmente cair na síndrome do "agora-é-que-é-a-sério": é quando  treinas com uma atitude mental de brincadeira e fronteiras (não faço isso porque também não é preciso exagerar...) e, ao enfrentar um ataque real iminente hesitas, pois o teu cérebro não consegue aceitar o facto de que "agora aquilo é a sério" – não está habituado a treinar assim! Como contraste temos o bem treinado lutador que encara todo o processo como luta e procede: 1º - escolher os alvos; 2º - atingi-los. A única diferença para ele é que, no primeiro caso (o treino) não pode usar toda a sua força, no segundo pode. Isto acontece porque este lutador nunca se vê como "treinando" – está sempre a lutar. Se compreendermos e praticarmos este conceito estaremos sempre melhor preparados para as exigências de uma situação de confronto.









16 de abril de 2016

COMO COMBATER A AGRESSÃO PSICOLÓGICA NO LOCAL DE TRABALHO

A agressão pode ir desde a violência física e verbal, sendo os mais fáceis de identificar, mas há também comportamentos de hostilidade que, por estarem camuflados ou serem feitos de forma mais subtil, devem ser levados em consideração. Podem ser tentativas de sabotar o seu trabalho que, se forem recorrentes, podem transformar-se em assédio moral e aí pode agir judicialmente.


Deixamos-lhe aqui algumas dicas para contornar e enfrentar este problema para que não deixe avançar aquilo que hoje pode ser um insulto para algo como o isolamento. Nunca se esqueça de uma coisa... empregos há muitos e tem de preservar a sua auto-estima e ter orgulho em si própria!

Testemunha ─ Recorra a um colega seu e certifique-se que ele servirá de testemunha. Este terá de assistir a um episódio e testemunhar a seu favor.

Fazer frente ─ Deve confrontar o seu agressor e demonstrar que não tem receio dele. Não se rebaixe ao agir como ele, isto é, não seja agressivo nem "caia" nos mesmos tipos de argumentos que ele. O que tem de prevalecer é que você não é uma pessoa fraca, nem saco de pancada para ninguém!

Queixa ─ Determinados comportamentos não devem passar despercebidos! Se os mesmos acontecem repetidamente têm de ser comunicados ao seu superior ou, caso o agressor seja o seu chefe, deverá aguardar por um momento mais calmo e conversar sobre a situação. Constate que quando foi contratado não especificaram ter de lidar com este género de comportamento.

Registo ─ Aponte tudo o que sejam actos de violência desde as horas, o local, colegas que assistiram, enfim... isto irá dar-lhe noção da gravidade da situação, um padrão, para que quando tiver de comunicar ou confrontar, saber exactamente como argumentar.

Compartilhar ─ Converse com alguém que saiba que passou por algo semelhante e aconselhe-se. Não obstante, converse com amigos e familiares. Não guarde a situação para si porque a longo prazo irá começar a sofrer de stress, ansiedade e isolamento.

Entidades ─ Procure ajuda em entidades como sindicatos, ministério do trabalho, entre outros. A melhor maneira é expor a sua situação e procurar saber e ter conhecimento de algumas bases legais.



NÃO IGNORE OS SINAIS...









9 de abril de 2016

MAIS QUE SABER DEFENDER, É TER SEGURANÇA!

O seu nome é Sara Pelicano, apareceu para fazer uma aula experimental, vinha com aquela determinação e curiosidade próprias dos jornalistas e queria saber, afinal, o que é isto da defesa pessoal… Gostou e acabou por se inscrever no programa de formação. Passado alguns meses de treino, brinda-nos hoje com um artigo da sua autoria onde nos transmite o seu feedback sobre a sua experiência nas aulas de autodefesa. O seu objectivo é claro, encorajar aqueles que ainda estão a pensar se devem juntar-se ou não à classe de estudantes do Núcleo de Defesa Pessoal de Lisboa.


Uma tarde de Verão incrível e mais um dia de trabalho que termina. O ponteiro do relógio está nas 19 horas e faltam poucos metros para chegar à porta de casa. A rua está vazia, muita gente já de férias – o Verão tem destas coisas na cidade. A sola dos sapatos raspa o alcatrão quente e este é o único som que se ouve. Aos meus passos, juntam-se outros, os de um homem, com calça e camisa aprumadas. Uns 40 anos. Nada demais!



Os passos dele aproximam-se rapidamente. Reacção imediata: acelero o passo. Ele faz o mesmo. Quanto mais rápido quero andar, menos parece que o corpo reage. O mundo à volta, parece desaparecer. Os passos dele continuam a aproximar-se. A minha respiração descontrola-se, o estômago contorce-se. Há medo em mim e uma questão: como me defender?

O homem, de aspecto completamente insuspeito, corre para mim. Eu corro para me afastar dele, mas apanha-me. Ergue-me no ar e geme. Grito profundamente. Larga-me e corro... corro... corro. Entro por fim em casa. Estou a salvo, nem sei bem como. E fica um vazio...

Esta história é ficcional, mas poderia ser realidade. E a questão que me coloco sempre que a imaginação flutua, ou que sinto uma pontinha de medo, é: Como me defender?

Formulei mais ou menos a mesma questão no Google e obtive a resposta: Núcleo de Defesa Pessoal de Lisboa (NDPL). Explorei o site e o blogue. Coloquei dúvidas por email e obtive resposta clara e rápida. A minha decisão não foi difícil de tomar.

Na mesma semana em que descobri o NDPL, fiz a minha aula de teste e inscrevi-me. O ambiente é descontraído, as aulas quase personalizadas. O Luís, o professor, está atento a cada um dos alunos, o que transmite uma noção clara da aprendizagem que conseguimos ter em cada aula, ao mesmo tempo que se trabalha corpo e mente.

Passaram-se poucos meses desde o início das minhas aulas de defesa pessoal e sinto já alguma confiança. A noção da arma potente que cada parte do nosso corpo pode ser e a forma como, com pouca força, podemos lançar ao chão um adversário são conhecimentos já adquiridos e que dão alguma confiança na hora de sair de casa.



As simulações de diferentes situações de perigo são um auxílio importante na aprendizagem, sempre com a voz tranquila do Luís a guiar-nos em cada movimento que se quer que seja o mais instintivo possível.

As aulas de defesa pessoal são acessíveis fisicamente, até para pessoas que praticam pouco desporto (ou mesmo nenhum), mas não são fáceis e requerem empenho e dedicação. Contudo, à medida que conseguimos executar as técnicas com perfeição, torna-se entusiasmante.

Desligando a cabeça do fim último que as aulas podem ter, poder dar alguns murros no saco de boxe no final do dia, torna-se também uma excelente terapia anti-stress.

Há muito para aprender em cada aula e muito para aprimorar a cada dia, mas é recompensador conseguir ter uma resposta para: Como me defender?

Ah, sim! De referir que o preço – muito acessível – é também o auxílio à participação nestas aulas, possivelmente muito mais profissionais do que muitos ginásios, pagos a peso de ouro.



(Jornalista e estudante de Defesa Pessoal)




Revista CINTURÃO NEGRO (Março, 2016)


Revista internacional de Artes Marciais, Desportos de Combate e Defesa Pessoal


CINTURÃO NEGRO / Março 2016



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Nº 307



Nº 308



Revista Gratuita Online CINTURÃO NEGRO (Quinzenal)


PONTOS VITAIS: ALVOS EM MOVIMENTO


Mais tarde ou mais cedo, em todas as aulas de autodefesa surge a pergunta: “- Quais são os melhores pontos vitais para incapacitar um atacante?”

Muito se tem escrito sobre isto. Existem livros ótimos sobre este tema, analisando com um pormenor invejável (chegando a um nível anatómico absolutamente clínico) o corpo humano, as suas partes mais vulneráveis e até os diversos modos de as percutir com toda a eficiência. Todavia, e se bem que tenham bastante interesse, todos eles cometem um pecado que se pode tornar “mortal” ... para o praticante, é claro!!!

O facto é que todos eles são bastante pormenorizados, até demais. Uma coisa é analisar, experimentar e procurar um ponto anatómico no sossego, conforto e segurança duma aula, e outra muito diferente fazê-lo durante um confronto, sob a influência direta duma das mais fortes drogas conhecidas pelo homem... a adrenalina!!!


Seja qual for a arte marcial que praticamos, e muito em especial se o nosso objetivo é a eventual aplicação prática dos nossos conhecimentos (falo da autodefesa), devemos sempre contar com esse grave obstáculo: as palpitações na garganta e na cabeça, as tonturas, a desorientação, a dificuldade em raciocinar e em tomar a iniciativa, a “visão de túnel”, a tendência para “congelar”, enfim, todos os sintomas que compõem este síndrome – a ansiedade e medo que nos assalta quando nos vemos obrigados a enfrentar um adversário que não nos deixa outra alternativa senão lutar para sobreviver.

A não ser que a violência constitua o cerne da nossa vida e atividades, este estado é algo que afeta todos os seres humanos. A famosa reação de stress de Hans Selye (fuga ou luta), por ser automática, não nos transforma em súper - heróis, prontos e aptos a derrotar quem quer que seja!  O corpo é constituído de tal forma que reage deste modo, de forma a otimizar o nosso desempenho caso optemos por qualquer destas duas alternativas: o aparelho gastrointestinal é “desligado”, podendo ir ao ponto de interromper uma já iniciada digestão; o sangue abandona as partes “dispensáveis”, concentrando-se nas prioritariamente mais importantes; a respiração torna-se mais profunda e rápida, de modo a garantir o incremento da oxigenação. Mas a decisão final (escolher defendermo-nos) é connosco. E, se formos incompetentes neste campo (o que é muito vulgar), o resultado não será nunca famoso.

noutro artigo, foquei a importância de um treino adequado e tão “real” quanto possível, por isso não vou insistir neste ponto. Direi apenas que o estudante de autodefesa deve estar treinado para, quando essa decisão se justificar e surgir, não esperar mais (isso seria reagir, o que faria o praticante hesitar); assim, toda e qualquer análise da situação passa para segundo plano, impondo-se apenas a segunda fase: escolher os pontos vitais mais adequados (os “alvos”) e proceder de modo a atingi-los, uma e outra vez, até incapacitar o agressor.

Em consequência da incessante insistência em “bloquear” e “defender” das artes marciais clássicas, e da omnipresente programação que a sociedade nos apresenta desde que nascemos (não fazer mal, não agredir, não bater), a nossa mente tenta habitualmente proteger-nos, reagindo ao que acontece à nossa volta, em vez de nos ajudar a derrotar um atacante. É por isso que em geral nos atrapalhamos e hesitamos quando temos de enfrentar situações violentas.

O componente crítico que liberta a nossa capacidade de nos socorrermos de todas as oportunidades durante um combate está não só no treino do corpo, como foi indicado anteriormente, mas igualmente num treino correto da mente. Dá a esta uma ordem incorreta, ou a que não esteja habituada/adaptada (como bater fortemente na face ou nos genitais de alguém) e ela hesitará; a hesitação causa medo; o medo faz com que tu “congeles”. E isto, numa luta iminente com um atacante violento que te pretende agredir, é desastroso.

Respondendo à pergunta inicial (quais os melhores pontos vitais/ alvos a atingir durante um confronto): Os melhores alvos serão os mais acessíveis à nossa posição e situação específica.


Certa vez uma aluna de um instrutor de autodefesa procurou-o, muito perturbada; tinha sido assaltada. Contou que, enquanto se achava dentro do carro com o seu marido, viram-se na necessidade de parar num sinal. Como tinha descurado a precaução de trancar as portas, um motociclista abriu a do seu lado e agarrou o seu computador portátil, puxando-o e tentando arrancar-lho das mãos. Reagindo instantaneamente, ela atacou o primeiro alvo que viu: a correia de segurança do capacete dele, agarrando-a e batendo-lhe com a cabeça forte e repetidamente contra a carroçaria da porta. Aturdido, o homem largou o computador e fugiu, ao mesmo tempo que o marido metia mudanças e os levava dali.

O problema dela, e o que a perturbava muito, não era ter falhado, mas sim não ter sido capaz, no calor do momento, de escolher um alvo “melhor, mais eficiente” para concentrar o seu ataque!

Claro que poderia haver outros alvos a ser utilizados, e cada qual poderia analisar a situação à sua maneira, chegando a conclusões diferentes, mas o mais importante é que os alvos escolhidos por esta mulher cumpriram perfeitamente o seu objetivo. Assim, a resposta à pergunta colocada é realmente esta: os melhores alvos são os que conseguimos atingir do modo mais fácil, rápido e contundente para o nosso adversário.

Grosso modo, as áreas mais sensíveis (e mais fáceis de atingir) do corpo humano são: olhos, nariz, garganta e genitais. Há outros (joelhos, canelas, peito do pé, fígado, rins) mas acontece que são mais difíceis de atingir de modo eficaz, pois ou são mais pequenos ou estão mais bem defendidos pela sua disposição e constituição do corpo humano. Os alvos prioritários acima mencionados, pela sua situação, são facilmente acessíveis, praticamente desprotegidos por músculo ou osso e muito, muito sensíveis.


De qualquer forma, a escolha dum alvo depende muito da situação e da tua especificidade (acesso aos alvos, posição do atacante e do defensor, força e destreza do segundo, possibilidade de preparação, etc).

E atenção: se escolheres os teus alvos a priori, condicionando-te a reagir sempre do mesmo modo a um dado ataque (o grande defeito da maior parte dos métodos de autodefesa), isso vai limitar-te extraordinariamente; ao tentares prever os alvos que estarão disponíveis num conflito violento estarás sempre em desvantagem, pois este é um fator que vai sempre variar infinitamente.

Há inúmeros alvos no corpo humano, que podem causar uma resposta previsível quando golpeados com mais ou menos força. O melhor deles é... aquele que mais facilmente podemos atingir. É por isso que deves estudar os sete pontos prioritários, para os conheceres e poderes utilizar se a isso fores obrigado.

Assim: 

1º – Decide atacar; 

2º – Vê que alvos estão acessíveis; 

3º – Ataca-os até os atingires. 

4º – Continua o ataque até o agressor ficar incapacitado e/ ou tu conseguires fugir. 

5º – Foge!!!









CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE LEGITIMA DEFESA NO USO DAS ARTES MARCIAIS


É inquestionável e indiscutível, que uma das finalidades das artes marciais, a par do desenvolvimento interior e espiritual do indivíduo, que as pratica e às quais elas estão associadas, é a de possibilitar ao artista marcial ou praticante, enquanto indivíduo livre e criador a obtenção de técnicas de autodefesa que lhe permitam fazer face a uma agressão, logo tendo este pensamento presente, devemos saber qual a posição da lei e do ordenamento jurídico enquanto sistema regulador de conduta social, relativamente à problemática das artes marciais no conceito de Legítima Defesa.





A ordem jurídica Portuguesa, no que se refere à Legítima Defesa (L.D.), pune as agressões cometidas sobre terceiros, como um reflexo da boa convivência e segurança em sociedade. O respeito ao próximo e a tolerância são valores que devemos defender, daí que a sociedade através da lei pune quem comete agressões, que vão desde a injúria verbal, passando pela ofensa à integridade física, até ao homicídio.

Como é de conhecimento geral, os cidadãos não devem tomar como responsabilidade sua a aplicação do poder punitivo, pois este é um poder que pertence ao Estado, que o exerce através das suas forças policiais e militares, de forma a evitar abusos e injustiças de terceiros sobre os cidadãos inocentes.

No entanto, por vezes, a realização imediata desse poder punitivo que é exclusivo do Estado, não é possível, assim como por vezes, se deve agir de uma forma imediata para se repelir uma agressão sobre pessoas ou bens, é nestas situações em concreto que surge a figura da L.D., ou seja quando o indivíduo se depara com uma situação em que está perante uma agressão, ou que esta é iminente e não existe qualquer força policial ou militar, por perto que possa conter essa agressão, é lícito ao indivíduo atuar de acordo com os seus próprios meios e capacidades para repelir essa mesma agressão.

A L.D. é de acordo com o anteriormente exposto uma causa de exclusão da ilicitude e está prevista nos artigos 31º a 33º do Código Penal. Considera-se causa de exclusão da ilicitude no sentido em que a ordem jurídica não pune certos atos, que poderiam ser tomados como agressões e que como tais, puníveis, desde que se enquadrem em determinados pressupostos e requisitos.

A L.D. está prevista no artigo 32º do Código Penal "Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros", este artigo estabelece certos requisitos que são essenciais para se poder atuar em L.D. assim:

1- Os interesses juridicamente protegidos – só se deve atuar para proteger um direito que é protegido pela ordem jurídica no seu conjunto, ou como sistema unificado de normas jurídicas. Considera-se como tal a vida, a honra, a saúde, etc......

2- A agressão deve ser atual – isto significa que a agressão tem de estar a acontecer ou que tem de ser iminente, e essa agressão é de tal modo intensa que deve ser repelida (A L.D. não se restringe só à violência física, mas sim também à violência verbal, psicológica ou espiritual).

3- A impossibilidade de recurso ás forças de segurança – isto significa que devemos estar impossibilitados de recorrer à polícia.

4- A ilicitude da agressão – esta significa que é uma agressão que pretende violar, direitos pessoais ou patrimoniais do indivíduo ou de terceiros, direitos estes que são legalmente protegidos pela ordem jurídica.

Estando definido o âmbito e o alcance do conceito de L.D. importa agora salientar um aspeto que se prende com esse conceito e que está diretamente relacionado com a prática das artes marciais e que é o excesso de legítima defesa, este assunto é particularmente importante e todos os praticantes de defesa pessoal e artistas marciais devem estar sensibilizados para este tema, pois se uma agressão pode ser justificada através dos requisitos que foram enunciados anteriormente, se esses requisitos forem ultrapassados ou excedidos essa agressão anteriormente justificada e lícita, passa a ser ilegal e ilícita, revelando neste aspeto uma particular importância a questão da proporcionalidade dos meios empregues.

Um cidadão praticante de Artes Marciais, seja ele de que arte ou estilo for, deve ter a preocupação de nunca exceder os limites do que é razoável e proporcional, quando atua numa situação de confronto, pois é essa a linha que separa o que é lícito do ilícito, em termos legais numa agressão, a proporcionalidade assume pois uma especial relevância pois é esta que vai inconscientemente indicar ao artista marcial, qual a técnica a utilizar perante uma determinada agressão, para que essa mesma agressão esteja abrangida no âmbito da L.D. caso isto não suceda, ou seja a atuação proporcional à agressão sofrida, caímos no âmbito do excesso de legítima defesa que é ilegal e que não exclui a ilicitude.

O excesso de L.D. está previsto no artigo 33º do Código Penal, e o nº 1 deste artigo abrange o chamado excesso intensivo de meios usados, que sucede, quando alguém agride violentamente outrem por uma injúria, ou seja esta situação caracteriza-se por uma desproporcionalidade efetiva do meio utilizado, para repelir uma agressão (a um crime de injúrias, o ofendido não vai atuar de forma a provocar-se um crime de ofensas corporais, pois isto seria extremamente excessivo e desproporcional).

O nº2 do artigo 33º refere-se à defesa realizada, nos chamados estados asténicos (perturbação, medo ou susto) o que se implica que, se a defesa for efetuada sob qualquer um destes estados de pressão emocional ou psicológica, quem atua mesmo que utilize um meio não adequado ou desproporcional, não será legalmente punido, ou seja qualquer defesa efetuada sob o efeito de um destes estados será sempre considerada lícita e excluíra a ilicitude.

Deste último aspeto resulta igualmente que, só poderá agir com L.D. um indivíduo que não tenha provocado essa agressão, porque se a agressão for provocada por quem se defende estará a agir de uma forma ilegal.




Após a análise de todos os requisitos que de acordo com o Código Penal, nos permitem falar sobre L.D. face a uma agressão, a conclusão a que podemos chegar é que um cidadão que utiliza os seus conhecimentos de autodefesa para repelir uma agressão ilegal, contra a sua própria pessoa ou bens, ou contra terceiros e respetivos bens, está legitimado para utilizar as suas técnicas e adaptá-las ao tipo de agressão que está a sofrer, isto para não vir ele a ser acusado de agressão. E considerando que algumas técnicas são suscetíveis de causar a morte ou graves danos, estas apenas devem ser utilizadas em casos extremos, em que está efetivamente ameaçada a nossa própria vida, para que possamos através da nossa atuação estarmos isentos de responsabilidades de nível legal.

Assim e tendo em conta que a prática das artes marciais proporciona ao seu praticante o uso das suas armas naturais, que deve e pode empregar frente a uma agressão, deve-se ter consciência que a sua utilização deve ser sempre feita de uma forma racional, adequada e proporcional face às circunstâncias da agressão.

Em conclusão importa apenas referir que normalmente, um artista marcial sério e experiente, dispõe não só de um grande número de técnicas de defesa pessoal ao seu dispor, que lhe permitem ter mais hipóteses de sobreviver a uma situação de violência, como também detém uma maior confiança e segurança em si próprio, obtidas através do seu  treino, quer no plano físico e técnico, quer no plano espiritual e filosófico, que lhe permitem responder de uma forma  proporcional e adequada, face a uma agressão ilegítima contra ele efetuada.


As várias formas da legítima defesa analisadas à luz do que diz o código penal: 

Legítima defesa pura − Conduz à absolvição do arguido (com frequência in dubio pro reo), porque o tribunal considera que o indivíduo atuou com meio proporcional face às circunstâncias do ato ilícito (agressão ou roubo) que sofreu, ou que viu um terceiro ser vítima.

Legítima defesa putativa − São casos em que os juízes concluem que o arguido considerou, erroneamente, que se encontrava numa situação de legítima defesa. Não há, por isso, culpa dolosa, mas apenas negligência. Dá lugar a uma pena especialmente atenuada, suspensa na sua execução.

Excesso de legítima defesa − É assim classificada quando o tribunal verifica a desproporção do meio utilizado pelo arguido para repelir a agressão de que foi vítima. Em regra, é aplicada uma pena especialmente atenuada e suspensa. Mas pode também dar lugar à absolvição, se o referido excesso resultar de "perturbação, medo ou susto, não censuráveis".

Direito de necessidade − É um conceito usado como causa de exclusão de ilicitude, quando o arguido agiu para afastar uma circunstância de perigo que o ameaçava, a si ou a um terceiro. No entanto, têm de existir dois pressupostos fundamentais: essa situação de perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo arguido; e a "superioridade" do "interesse a salvaguardar", face ao "interesse sacrificado", tem de se revelar "sensível" e "razoável".

Estado de necessidade desculpante − Exclui a culpa e a condenação se o ato ilícito cometido pelo arguido se mostrar a única forma existente, no momento, para afastar um perigo que ameaçava a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do próprio ou de um terceiro. E se os "interesses jurídicos" ameaçados forem outros que não os referidos, e "não for razoável exigir ao arguido comportamento diferente", a pena pode ser especialmente atenuada ou mesmo dispensada.


Agradecemos ao jurista Duarte Laja a colaboração para este artigo.