31 de outubro de 2025

Autoproteção Consciente: Viver Preparado num Mundo de Incertezas


Compreender o medo, fortalecer a atenção e desenvolver hábitos de segurança que começam na mente antes de chegarem ao corpo. Porque a autoproteção é uma prática de consciência, não de agressividade.



Um em cada três portugueses tem medo de ser assaltado ou agredido. Os dados, revelados pelo mais recente Barómetro da AssociaçãoPortuguesa de Apoio à Vítima (APAV), representa um aumento de dez pontos percentuais face a 2023 e confirma que o tema da segurança continua profundamente enraizado nas preocupações do quotidiano. Apesar de 63% dos inquiridos afirmarem sentir-se seguros no dia-a-dia e 60% continuarem a considerar Portugal um país seguro ou muito seguro, há uma sensação difusa de fragilidade que parece ter ganho espaço. Como referem os autores do relatório, “a estatística tem o dom de esconder as fissuras que atravessam o verniz do quotidiano”. Portugal é, objetivamente, um dos países mais pacíficos da Europa, mas a perceção de tranquilidade tem vindo a diminuir, sobretudo entre mulheres, idosos e pessoas das classes sociais mais baixas, aqueles que mais sentem, na pele, a vulnerabilidade da vida real.

Desde a pandemia, a desconfiança cresceu. As ruas, os transportes e até os espaços de lazer passaram a ser vistos com outro olhar, mais cauteloso e tenso. “Quanto mais longe da nossa rua, mais perigoso parece o mundo”, escrevem os autores do estudo. A segurança, para muitos, deixou de ser um sentimento partilhado e passou a ser algo que se procura dentro das paredes de casa, no conhecido, no previsível. Curiosamente, apenas 1 em cada 10 portugueses considera a zona onde vive insegura, mas o medo coletivo continua a crescer. Vivemos um paradoxo inquietante: a criminalidade desce, mas a perceção de insegurança sobe. O perigo, hoje, já não é apenas o que acontece, é também o que imaginamos que possa acontecer.

Nos últimos doze meses, 9% dos inquiridos disseram ter sido vítimas de crime, o valor mais elevado desde 2012. Ainda assim, mais de metade não apresentou queixa, principalmente por falta de confiança na justiça. É um dado preocupante, que mostra uma erosão silenciosa: a perda de confiança nas instituições e, em muitos casos, também em nós próprios. “Portugal é, no papel, um dos países mais seguros da Europa. Mas a perceção de insegurança é uma ferida mais social do que factual. E enquanto ela não cicatrizar, continuaremos a olhar por cima do ombro, mesmo quando dizemos que está tudo bem”, lê-se no relatório. Durante o dia, 92% das pessoas sentem-se seguras em casa; à noite, nos transportes públicos, esse número desce para 6%. Em estádios de futebol e zonas de diversão, apenas 11% se sentem confortáveis. Estes contrastes revelam que o medo é hoje mais psicológico do que físico, e é precisamente aqui que o conceito de autoproteção consciente se torna essencial.

Autoproteção consciente não significa viver em alerta constante, mas sim viver desperto, com presença e lucidez. É compreender o medo como um sinal e não como uma prisão. O medo tem uma função natural: avisa, protege e desperta. Mas quando se torna permanente, começa a distorcer a perceção e a limitar a liberdade. O primeiro passo para uma vida mais segura é reconhecer o medo sem lhe dar o comando. Quando aprendes a observá-lo, consegues transformar tensão em atenção e ansiedade em clareza. E é a partir daí que a prevenção deixa de ser um peso e se transforma num modo de vida natural, feito de pequenas escolhas conscientes: perceber o ambiente à tua volta, confiar na intuição, preparar o corpo e a mente para reagir com serenidade, e não com pânico.

A autodefesa moderna começa muito antes de qualquer técnica física. Começa na forma como te movimentas, como observas e comunicas. A primeira defesa és tu: a tua postura, a tua energia, a tua forma de estar. Muitas situações de risco podem ser evitadas através da linguagem corporal, da assertividade e da capacidade de manter a calma. Quando dominas o teu comportamento, influencias também o comportamento de quem te observa, e isso é, em si, uma poderosa forma de proteção. A autoproteção consciente é, por isso, tanto um treino interior como exterior. Não se trata de endurecer, mas de ampliar a perceção. É aprender a ler o espaço, as intenções e os sinais subtis do comportamento humano. Não é paranoia, é presença inteligente, e essa presença cultiva-se com prática, reflexão e autoconhecimento.

A segurança não depende apenas das forças policiais, das leis ou da sorte. Depende também da forma como te relacionas com o mundo. Quando estás preparado, ganhas confiança, e quando confias, o medo deixa de dominar, transforma-se num aliado. A autoproteção consciente não é uma técnica para enfrentar o perigo, é uma forma de estar. É o equilíbrio entre atenção e serenidade, entre firmeza e empatia. É saber que o controlo total não existe, mas a preparação é possível e libertadora. Num mundo de incertezas, o verdadeiro poder está em saber o que fazer quando o inesperado acontece. E isso aprende-se. Não é um estado de medo, é um estado de consciência.

O Barómetro da APAV 2025 mostra-nos uma sociedade que se sente insegura, mas que continua capaz de mudar essa perceção, se aprender a confiar novamente em si mesma e nos outros. Talvez a segurança comece precisamente aí: quando deixamos de esperar que ela venha de fora e passamos a construí-la dentro de nós. Autoproteção consciente é, no fundo, mais do que saber defender-se. É saber viver com clareza, atenção e equilíbrio. É compreender o medo sem lhe entregar as rédeas, é treinar o corpo, mas sobretudo a mente. E é perceber que a verdadeira segurança não se encontra na ausência de perigo, mas na presença de consciência. Porque viver preparado não é viver assustado é viver desperto.


AUTODEFESA.PT



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