15 de abril de 2024

Como manter a calma em situações de conflito

 Descobre como deves atuar em situações potencialmente perigosas sem entrares necessariamente num confronto físico.


Já era de noite quando a Vera Cardoso se apercebeu de que podia estar metida num grande sarilho: ao sair de um pavilhão da Cidade Universitária, em Lisboa, ouviu alguém gritar desesperadamente. Foi quando viu um rapaz de cerca de 14 anos a fugir de um grupo de cinco adolescentes.

Não havia ninguém à distância de um grito, e, consigo, Vera apenas transportava o saco de treino. Tentando deixar transparecer uma segurança que não sentia, Vera olhou cada um dos jovens nos olhos enquanto estes não deixavam de olhar para ela. Dissimuladamente, apertou e desapertou o saco contra o seu corpo para aliviar a tensão que sentia nos músculos, ao mesmo tempo que, também sem o mostrar, respirou fundo algumas vezes para se acalmar e pensar com mais clareza.

Pensou reconhecer um dos jovens: "Eu conheço-te, não é verdade?", perguntou-lhe sorrindo. “Não participaste naquele jogo de basquetebol que nós organizámos há poucas semanas?” Ele murmurou qualquer coisa.

"Bom estivemos agora mesmo a jogar", continuou Vera prudentemente, “mas imagino que este desporto não seja suficientemente duro para valentões como vocês.” Quanto mais ia falando, mais sentia a tensão diminuir, acabando por convencer os rapazes a abandonar o recinto desportivo. Depois, conduziu o jovem ameaçado para o seu carro e levou-o a casa.

Se, por um lado é verdade que Vera teve alguma sorte pelo facto de conhecer vagamente um dos elementos do grupo, o seu bom desempenho nesta situação baseou-se sobretudo num conjunto de técnicas de controlo de  stress aprendido nas aulas de defesa pessoal.

Desde sempre que existem pessoas, como no caso de polícias e seguranças que, nas suas profissões, enfrentam regularmente situações de conflito violento. Na sociedade atual, em que a violência faz parte do quotidiano, é caso para pensar no que se poderá fazer para gerir da melhor forma possível uma situação potencialmente perigosa em que nos possamos encontrar.

A verdade é que caso nos sintamos ameaçados, quer seja por um bêbado na rua ou por um condutor enraivecido, há muito que poderemos fazer para evitar um confronto físico. 

Não deixar de falar. No caso de estarmos perante uma pessoa zangada ou violenta podemos tentar acalma-la falando com ela. Ao fazê-lo de forma que a nossa voz alcance um tom baixo teremos boas hipóteses de mudar aquilo que o outro tenha em mente fazer.

Para além desta técnica nos permitir ganhar tempo, que pode ser utilizado para chamar a atenção de outras pessoas ou para melhor nos posicionarmos física e emocionalmente – sem inflamar ainda mais a agressividade do nosso interlocutor – com um pouco de controlo e habilidade o conflito talvez se possa dissolver.

Ouvir sem discutir. É frequente as pessoas gritarem devido à sua frustração ou medo. Isto pode acontecer nas mais diversas circunstanciam como no caso em que alguém está sob o efeito do álcool, droga ou com problemas emocionais. Nestas alturas pode faltar muito pouco para que elas partam para a violência. A forma desajustada como respondemos a estas situações pode desencadear um confronto bastante desagradável.

Quando se lida com uma pessoa furiosa, não é construtivo assumirmos uma atitude moralista. "Compreendo que se sinta muito zangado com isso" é, frequentemente, melhor resposta que dizer "Não gosto da maneira como está a falar comigo". Outra opção será simplesmente mostrar às pessoas o caminho mais prático: "Se não se acalmar não vou conseguir ajudá-lo".

Manter um tom de voz baixo e sem alterações enquanto se fala pausadamente, utilizando um vocabulário simples, é essencial para se inverter uma situação potencialmente perigosa.

Linguagem corporal apropriada. A nossa postura física pode fazer muito para transformar uma situação de tensão numa situação de violência ou de acalmia. O truque é transmitirmos uma imagem de autoridade, mas não autoritária.

É indispensável evitar as posturas agressivas (cruzar os braços, colocar as mãos nas ancas ou apontar o indicador) e os movimentos bruscos ou repentinos – situações que podem ser mal interpretadas. Dentro do possível procurar transmitir uma imagem de descontração e abertura. Olhar a pessoa nos olhos, mas evitar fazê-lo permanentemente, pois isso poderá parecer-lhe ameaçador.

Se a situação ameaça descambar em violência é melhor afastar-se calmamente sem deixar de olhar para a pessoa. Assim ela não pensará que está a assumir uma atitude de desprezo.

Numa situação de "luta ou fuga", as pessoas ficam tensas e começam a respirar com menor profundidade, fazendo que o oxigénio chegue menos ao cérebro. Esta situação desperta por sua vez uma reação em que as articulações e os músculos trabalham com maior eficiência. Assim, quando nos sentimos em dificuldades, é normal exibirmos uma linguagem corporal mais agressiva, pese embora o facto de nos estarmos a sentir assustados.

Respirar fundo algumas vezes e de forma discreta é uma boa ajuda. Ao fornecermos mais oxigénio ao cérebro, estamos a restaurar a circulação normal e a ajudar os músculos a movimentarem-se com maior à-vontade. E, acima de tudo, ajudamo-nos a nós próprios a pensar com maior clareza e a assumir um domínio mais consciencioso da situação.

Manter a distância. Quando as pessoas estão zangadas, necessitam de uma zona de segurança própria maior que nas outras situações. É aconselhável manter uma distância de pelo menos 1,5m. Se alguém nos quiser atacar, teremos assim mais espaço para nos esquivarmos, empurrarmos o agressor para trás ou aplicar técnicas de autodefesa.

O instinto de muitos homens é de não recuar se alguém lhes encosta a testa à sua. Isso é um erro grave. Por um lado estamos a marcar uma posição que ira conduzir a mais agressividade e por outro lado corremos o sério risco de sofrer uma inesperada e violenta "cabeçada". Uma das chamadas "técnicas sujas" frequentemente utilizada em luta de rua.

Outro ponto importante é evitar tocar ou colocar o braço em volta de um estranho enfurecido, uma vez que isso pode ser interpretado como um ataque.

Manter a distância (e a calma) é particularmente importante quando se conduz. Um grande número de pessoas já foi vítima de situações de violência no trânsito. O melhor a fazer, sempre que façamos algo de errado na estrada é levantar a mão de forma bem visível, pedimos assim desculpa aos outros automobilistas.

Imagem segura. Certificando-nos de que não humilhamos uma pessoa que nos ameaça na frente dos outros pode arrefecer uma situação de pré-confronto.

Um dos rastilhos mais comuns para as situações de violência grave de hoje em dia é quando alguém é impedido de entrar ou expulso de uma discoteca. Quando uma pessoa já bebeu uns copos, de certeza que não vai deixar que o humilhem à frente dos companheiros. E, com gente menos hábil, isso pode levar à violência. Quando alguém tem de ser expulso, é melhor tratar disso longe dos outros. Por exemplo, numa discoteca movimentada o segurança ou o porteiro pode dizer: "Não consigo ouvirNão se importa de vir comigo mais para este lado?"

Numa conhecida discoteca de Lisboa presenciamos a seguinte situação: um indivíduo embriagado estava a provocar alguns distúrbios o que fez com que tivessem de o expulsar. Apesar da confusão os seguranças conseguiram, com alguma habilidade, afasta-lo dos amigos. Então o chefe da segurança explicou-lhe que, como era um cliente regular, voltariam a deixá-lo entrar noutro dia se saísse a bem, mas que, se tivessem de o atirar lá para fora, nunca mais o deixariam entrar. Desta forma, tendo-lhe sido dada oportunidade para escolher por si, o homem acabou por sair voluntariamente.

Saber quando sair. Existem situações das quais as pessoas não conseguem sair pelo diálogo. Nestas circunstâncias uma estratégia de fuga é sempre preferível do que acabar por correr riscos desnecessários. Isto não significa cobardia mas sim que em função da situação (normalmente desproporcional para nós) escolhemos a opção mais inteligente.

No caso em que não existe outra hipótese a não ser lutar para se defender, pode ser utilizada uma estratégia que consiste em – quando o agressor menos esperar – atingi-lo rápida e energicamente com uma sucessão de golpes dirigidos para alvos vitais, como por exemplo: olhos, garganta, testículos e joelhos. A ideia é, no mínimo, fragilizar e confundir o agressor durante uma pequena fração de tempo, criando assim uma oportunidade que nos permita a retirada o mais rapidamente possível do local.

Mas tem em conta que, mesmo em tempos violentos como aqueles em que vivemos, as possibilidades de sermos atacados fisicamente podem ser reduzidas. Se soubermos tomar algumas precauções em termos de prevenção e desenvolvermos uma estratégia de gestão de conflitos apropriada, os riscos serão bem menores.

Não esperes que aconteça algo de perigoso para "exercitares" as tuas atitudes e a maneira como controlas o stress em situações de conflito. É precisamente no dia-a-dia das nossas relações com os amigos, colegas, familiares ou mesmo estranhos, que podemos trabalhar a forma como reagimos aos pequenos conflitos inerentes a todas a relações. Esse investimento também faz parte do nosso crescimento como pessoas e vai colaborar seguramente para nos ajudar, caso algum dia o inesperado aconteça.




SUGESTÕES DE LEITURA




"Por muito prósperos e felizes que sejamos, haverá sempre momentos na nossa vida em que o conflito será inevitável. Seja no trabalho ou na nossa vida social e familiar, a discórdia, a pressão e a inimizade acabam sempre por se manifestar e gerar em nós sentimentos negativos, de frustração, raiva e vergonha. No entanto, todas estas situações têm potencial para ser uma fonte de aprendizagem e crescimento únicos. Para tal, temos de aprender a lidar com o conflito e a ultrapassá-lo com serenidade.

Neste livro, Dale Carnegie, mestre incontestado do desenvolvimento pessoal e profissional, ensina-nos a abordar estas situações com o tato que exigem, a conhecermo-nos melhor, a controlar as nossas emoções e a compreender o nosso oponente, identificando as suas motivações e objetivos.

A partir de um conjunto de técnicas chave, aprendemos a negociar com eficácia, a preparar argumentos para uma discussão, a defender o nosso ponto de vista e a chegar a compromissos, para que ambas as partes se sintam consideradas e atendidas. Todos teremos de resolver conflitos e lidar com pessoas difíceis ao longo da nossa vida. O ideal é sabermos como fazê-lo."





19 de março de 2024

PONTOS VITAIS: ALVOS EM MOVIMENTO

 Mais tarde ou mais cedo, em todas as aulas de autodefesa surge a pergunta: “- Quais são os melhores pontos vitais para incapacitar um atacante?”


Muito se tem escrito sobre isto. Existem livros ótimos sobre este tema, analisando com um pormenor invejável (chegando a um nível anatómico absolutamente clínico) o corpo humano, as suas partes mais vulneráveis e até os diversos modos de as percutir com toda a eficiência. Todavia, e se bem que tenham bastante interesse, todos eles cometem um pecado que se pode tornar “mortal” ... para o praticante, é claro!!!

O facto é que todos eles são bastante pormenorizados, até demais. Uma coisa é analisar, experimentar e procurar um ponto anatómico no sossego, conforto e segurança duma aula, e outra muito diferente fazê-lo durante um confronto, sob a influência direta duma das mais fortes drogas conhecidas pelo homem... a adrenalina!!!


Seja qual for a arte marcial que praticamos, e muito em especial se o nosso objetivo é a eventual aplicação prática dos nossos conhecimentos (falo da autodefesa), devemos sempre contar com esse grave obstáculo: as palpitações na garganta e na cabeça, as tonturas, a desorientação, a dificuldade em raciocinar e em tomar a iniciativa, a “visão de túnel”, a tendência para “congelar”, enfim, todos os sintomas que compõem este síndrome – a ansiedade e medo que nos assalta quando nos vemos obrigados a enfrentar um adversário que não nos deixa outra alternativa senão lutar para sobreviver.

A não ser que a violência constitua o cerne da nossa vida e atividades, este estado é algo que afeta todos os seres humanos. A famosa reação de stress de Hans Selye (fuga ou luta), por ser automática, não nos transforma em súper - heróis, prontos e aptos a derrotar quem quer que seja!  O corpo é constituído de tal forma que reage deste modo, de forma a otimizar o nosso desempenho caso optemos por qualquer destas duas alternativas: o aparelho gastrointestinal é “desligado”, podendo ir ao ponto de interromper uma já iniciada digestão; o sangue abandona as partes “dispensáveis”, concentrando-se nas prioritariamente mais importantes; a respiração torna-se mais profunda e rápida, de modo a garantir o incremento da oxigenação. Mas a decisão final (escolher defendermo-nos) é connosco. E, se formos incompetentes neste campo (o que é muito vulgar), o resultado não será nunca famoso.

Já noutro artigo, foquei a importância de um treino adequado e tão “real” quanto possível, por isso não vou insistir neste ponto. Direi apenas que o estudante de autodefesa deve estar treinado para, quando essa decisão se justificar e surgir, não esperar mais (isso seria reagir, o que faria o praticante hesitar); assim, toda e qualquer análise da situação passa para segundo plano, impondo-se apenas a segunda fase: escolher os pontos vitais mais adequados (os “alvos”) e proceder de modo a atingi-los, uma e outra vez, até incapacitar o agressor.

Em consequência da incessante insistência em “bloquear” e “defender” das artes marciais clássicas, e da omnipresente programação que a sociedade nos apresenta desde que nascemos (não fazer mal, não agredir, não bater), a nossa mente tenta habitualmente proteger-nos, reagindo ao que acontece à nossa volta, em vez de nos ajudar a derrotar um atacante. É por isso que em geral nos atrapalhamos e hesitamos quando temos de enfrentar situações violentas.

O componente crítico que liberta a nossa capacidade de nos socorrermos de todas as oportunidades durante um combate está não só no treino do corpo, como foi indicado anteriormente, mas igualmente num treino correto da mente. Dá a esta uma ordem incorreta, ou a que não esteja habituada/adaptada (como bater fortemente na face ou nos genitais de alguém) e ela hesitará; a hesitação causa medo; o medo faz com que tu “congeles”. E isto, numa luta iminente com um atacante violento que te pretende agredir, é desastroso.

Respondendo à pergunta inicial (quais os melhores pontos vitais/ alvos a atingir durante um confronto): Os melhores alvos serão os mais acessíveis à nossa posição e situação específica.


Certa vez uma aluna de um instrutor de autodefesa procurou-o, muito perturbada; tinha sido assaltada. Contou que, enquanto se achava dentro do carro com o seu marido, viram-se na necessidade de parar num sinal. Como tinha descurado a precaução de trancar as portas, um motociclista abriu a do seu lado e agarrou o seu computador portátil, puxando-o e tentando arrancar-lho das mãos. Reagindo instantaneamente, ela atacou o primeiro alvo que viu: a correia de segurança do capacete dele, agarrando-a e batendo-lhe com a cabeça forte e repetidamente contra a carroçaria da porta. Aturdido, o homem largou o computador e fugiu, ao mesmo tempo que o marido metia mudanças e os levava dali.

O problema dela, e o que a perturbava muito, não era ter falhado, mas sim não ter sido capaz, no calor do momento, de escolher um alvo “melhor, mais eficiente” para concentrar o seu ataque!

Claro que poderia haver outros alvos a ser utilizados, e cada qual poderia analisar a situação à sua maneira, chegando a conclusões diferentes, mas o mais importante é que os alvos escolhidos por esta mulher cumpriram perfeitamente o seu objetivo. Assim, a resposta à pergunta colocada é realmente esta: os melhores alvos são os que conseguimos atingir do modo mais fácil, rápido e contundente para o nosso adversário.

Grosso modo, as áreas mais sensíveis (e mais fáceis de atingir) do corpo humano são: olhosnarizgarganta e genitais. Há outros (joelhos, canelas, peito do pé, fígado, rins) mas acontece que são mais difíceis de atingir de modo eficaz, pois ou são mais pequenos ou estão mais bem defendidos pela sua disposição e constituição do corpo humano. Os alvos prioritários acima mencionados, pela sua situação, são facilmente acessíveis, praticamente desprotegidos por músculo ou osso e muito, muito sensíveis.


De qualquer forma, a escolha dum alvo depende muito da situação e da tua especificidade (acesso aos alvos, posição do atacante e do defensor, força e destreza do segundo, possibilidade de preparação, etc).

E atenção: se escolheres os teus alvos a priori, condicionando-te a reagir sempre do mesmo modo a um dado ataque (o grande defeito da maior parte dos métodos de autodefesa), isso vai limitar-te extraordinariamente; ao tentares prever os alvos que estarão disponíveis num conflito violento estarás sempre em desvantagem, pois este é um fator que vai sempre variar infinitamente.

Há inúmeros alvos no corpo humano, que podem causar uma resposta previsível quando golpeados com mais ou menos força. O melhor deles é... aquele que mais facilmente podemos atingir. É por isso que deves estudar os sete pontos prioritários, para os conheceres e poderes utilizar se a isso fores obrigado.

Assim: 

1º – Decide atacar; 

2º – Vê que alvos estão acessíveis; 

3º – Ataca-os até os atingires. 

4º – Continua o ataque até o agressor ficar incapacitado e/ ou tu conseguires fugir. 

5º – Foge!!!





Versão 2. Artigo escrito originalmente em 2016, agora revisto e aumentado.