Antes de entrares no artigo, convido-te a ver este vídeo do Dr. Gabor Maté. Ele fala de trauma com uma clareza rara e com uma humanidade que toca diretamente no que trabalhamos na autodefesa holística: presença, consciência e capacidade de nos reconstruirmos por dentro. Este vídeo ajuda-te a compreender como experiências emocionais antigas, ou até situações graves de violência, podem influenciar a forma como reages ao perigo e como ocupas o teu próprio corpo. Vale a pena ver com atenção tranquila. Depois, o texto que se segue aprofunda estas ideias e mostra como tudo isto se integra na nossa abordagem à autodefesa.
O treino de autodefesa raramente começa no corpo. Começa dentro de cada
pessoa. Antes de aprender a mover as mãos, ajustar a postura ou gerir a
distância, é preciso compreender o que nos bloqueia, o que nos assusta e o que
condiciona a nossa presença em momentos de tensão. É aqui que o trabalho do Dr.
Gabor Maté se torna tão relevante para quem segue uma visão holística da
autodefesa, onde corpo, mente e emoções formam um único sistema que precisa de
equilíbrio para gerar verdadeira segurança.
Maté recorda-nos que o trauma não é definido
pelo acontecimento traumático, mas pela ferida interna que esse acontecimento
deixa. Uma ferida emocional que continua a viver dentro de nós, influenciando a
forma como reagimos, como sentimos e como interpretamos o mundo. Muitas dessas
feridas nasceram de mecanismos de proteção criados na infância, retração, medo
de confronto, silêncio, hipervigilância, que foram úteis naquele tempo, mas que
hoje podem limitar a nossa capacidade de agir com clareza e firmeza.
Contudo, no contexto da autodefesa, é
essencial reconhecer que o trauma nem sempre tem origem apenas nesses padrões
emocionais antigos. Muitas pessoas carregam feridas profundas decorrentes de
experiências reais de violência: violência doméstica, agressões físicas, abuso
sexual, intimidação ou violações. Estas situações deixam marcas no corpo e na
mente, alteram a forma como a pessoa percebe o perigo, como interpreta o toque,
como reage ao stress e como se sente em relação ao próprio espaço pessoal. Para
quem viveu este tipo de violência, o treino de autodefesa pode tornar-se um
caminho de reconstrução. Não é apenas técnica; é recuperação, reencontro e,
muitas vezes, uma forma de voltar a ocupar o corpo com segurança e dignidade.
O vídeo de Gabor Maté que partilho neste
artigo aprofunda esta visão de forma luminosa. Ele explica que, se o trauma é
uma ferida interna, então pode ser curado, independentemente da nossa idade ou
história. Esta perspetiva é poderosa porque abre portas. A autodefesa holística
que trabalhamos apoia-se precisamente neste princípio: fortalecer o corpo, sim,
mas também cuidar da mente e das emoções. Quando tomas consciência das tuas
feridas internas, geres melhor o medo; quando curas padrões antigos, ganhas
presença; quando compreendes as tuas reações, deixas de responder
impulsivamente e passas a agir com clareza.
Este é o verdadeiro propósito da autodefesa
holística: unir técnica física, maturidade emocional e consciência interior.
Não se trata de criar lutadores, mas pessoas mais inteiras, mais seguras e mais
livres. Pessoas que conseguem reconhecer ameaças externas sem se deixarem
paralisar por feridas internas. Pessoas que aprendem a estabelecer limites, a
afirmar-se, a respirar quando tudo aperta e a decidir com calma mesmo em
situações difíceis.
O contributo de Gabor Maté, médico
húngaro-canadiano, referência mundial no estudo do trauma, dependências e
desenvolvimento humano, é inspirador porque junta ciência, compaixão e
experiência clínica real. Para nós, que treinamos autodefesa, ele lembra-nos
algo essencial: a força verdadeira não nasce apenas do músculo, mas da
integração entre aquilo que sentimos, aquilo que pensamos e aquilo que somos
capazes de fazer.
Ao veres o vídeo, convido-te a escutar não só
com a mente, mas com aquilo que mexe por dentro. Repara no que desperta:
emoções, memórias, resistências, ou apenas curiosidade. Seja o que for, observa
com calma. Cada tomada de consciência é um passo. E cada passo é uma forma de
te fortaleceres por dentro, para estares mais presente, mais estável e mais
preparado para cuidar de ti no mundo real.
📌Leitura recomendada:
O Mito do Normal: Trauma, Doença e Cura Na Cultura Tóxica
Gabor Maté
● Por que recomendo "O Mito do Normal"
"O Mito do Normal" convida-te a repensar aquilo que a nossa cultura costuma tratar como natural ou saudável. Gabor Maté mostra como muitos dos nossos desconfortos físicos e emocionais têm raízes em traumas não resolvidos ou em stresse acumulado ao longo da vida. Com a experiência de décadas de trabalho clínico, explica de forma simples e humana que estas feridas internas podem nascer tanto na infância como em situações traumáticas vividas mais tarde. Em vez de ficar apenas na análise, Maté oferece uma visão compassiva da cura e lembra-nos que a verdadeira saúde exige olhar para a pessoa como um todo: corpo, mente e contexto. É um convite para recuperarmos o equilíbrio, a autenticidade e o bem-estar, de dentro para fora.
● A importância deste livro para quem estuda defesa pessoal
Para quem treina autodefesa numa perspetiva holística, "O Mito do Normal" é um recurso essencial. O livro ajuda-te a compreender melhor a origem de medos, bloqueios ou reações automáticas que surgem no corpo e na mente, muitas vezes ligados a traumas antigos, mesmo que não estejas consciente deles. Ao entenderes e curares estas feridas internas, ganhas mais presença, atenção e clareza, qualidades fundamentais para lidares com situações tensas dentro e fora do treino.
Além disso, Maté reforça a ideia de que a verdadeira segurança não depende apenas da força física, mas da integração entre corpo, mente e emoção. Reagir bem a uma ameaça implica estar calmo, consciente e enraizado, algo que se constrói através da auto-compreensão e da regulação emocional. O livro desafia ainda a normalização do mal-estar psicológico e convida a um treino mais maduro: proteger o corpo, sim, mas também cuidar da mente e fortalecer o interior para que a autodefesa seja completa e transformadora.
● Quem pode beneficiar especialmente desta leitura
Este livro é especialmente valioso para quem deseja compreender como traumas antigos ou recentes influenciam as respostas ao medo, à dor, ao stress e às situações de risco. Ajuda também quem procura desenvolver uma segurança verdadeira, assente não apenas na técnica, mas numa combinação de presença, equilíbrio emocional e consciência de si próprio.
É igualmente recomendado para instrutores e praticantes de autodefesa que querem integrar uma abordagem holística no seu treino, olhando para a pessoa de forma completa e não apenas para o corpo físico. Para quem vê a autodefesa como um caminho de crescimento pessoal, este livro reforça a ideia de que transformar vulnerabilidades em força e feridas em presença faz parte dessa evolução.

