Mais tarde ou mais cedo, em todas as aulas de autodefesa surge a pergunta: “Quais são os melhores pontos vitais para incapacitar um atacante?”
Muito se tem escrito sobre isto. Existem livros ótimos sobre este tema, analisando com um pormenor invejável (chegando a um nível anatómico absolutamente clínico) o corpo humano, as suas partes mais vulneráveis e até os diversos modos de as percutir com toda a eficiência. Todavia, e se bem que tenham bastante interesse, todos eles cometem um pecado que se pode tornar “mortal” ... para o praticante, é claro!!!
O facto é que todos eles são bastante pormenorizados, até demais. Uma coisa é analisar, experimentar e procurar um ponto anatómico no sossego, conforto e segurança duma aula, e outra muito diferente fazê-lo durante um confronto, sob a influência direta duma das mais fortes drogas conhecidas pelo homem... a adrenalina!!!
Seja qual for a arte marcial que praticamos, e muito em especial se o nosso objetivo é a eventual aplicação prática dos nossos conhecimentos (falo da autodefesa), devemos sempre contar com esse grave obstáculo: as palpitações na garganta e na cabeça, as tonturas, a desorientação, a dificuldade em raciocinar e em tomar a iniciativa, a “visão de túnel”, a tendência para “congelar”, enfim, todos os sintomas que compõem este síndrome – a ansiedade e medo que nos assalta quando nos vemos obrigados a enfrentar um adversário que não nos deixa outra alternativa senão lutar para sobreviver.
A não ser que a violência constitua o cerne da nossa vida e atividades, este estado é algo que afeta todos os seres humanos. A famosa reação de stress de Hans Selye (fuga ou luta), por ser automática, não nos transforma em súper - heróis, prontos e aptos a derrotar quem quer que seja! O corpo é constituído de tal forma que reage deste modo, de forma a otimizar o nosso desempenho caso optemos por qualquer destas duas alternativas: o aparelho gastrointestinal é “desligado”, podendo ir ao ponto de interromper uma já iniciada digestão; o sangue abandona as partes “dispensáveis”, concentrando-se nas prioritariamente mais importantes; a respiração torna-se mais profunda e rápida, de modo a garantir o incremento da oxigenação. Mas a decisão final (escolher defendermo-nos) é connosco. E, se formos incompetentes neste campo (o que é muito vulgar), o resultado não será nunca famoso.
Já noutro artigo, foquei a importância de um treino adequado e tão “real” quanto possível, por isso não vou insistir neste ponto. Direi apenas que o estudante de defesa pessoal deve estar treinado para, quando essa decisão se justificar e surgir, não esperar mais (isso seria reagir, o que faria o praticante hesitar); assim, toda e qualquer análise da situação passa para segundo plano, impondo-se apenas a segunda fase: escolher os pontos vitais mais adequados (os “alvos”) e proceder de modo a atingi-los, uma e outra vez, até incapacitar o agressor.
Em consequência da incessante insistência em “bloquear” e “defender” das artes marciais clássicas, e da omnipresente programação que a sociedade nos apresenta desde que nascemos (não fazer mal, não agredir, não bater), a nossa mente tenta habitualmente proteger-nos, reagindo ao que acontece à nossa volta, em vez de nos ajudar a derrotar um atacante. É por isso que em geral nos atrapalhamos e hesitamos quando temos de enfrentar situações violentas.
O componente crítico que liberta a nossa capacidade de nos socorrermos de todas as oportunidades durante um combate está não só no treino do corpo, como foi indicado anteriormente, mas igualmente num treino correto da mente. Dá a esta uma ordem incorreta, ou a que não esteja habituada/adaptada (como bater fortemente na face ou nos genitais de alguém) e ela hesitará; a hesitação causa medo; o medo faz com que tu “congeles”. E isto, numa luta iminente com um atacante violento que te pretende agredir, é desastroso.
Respondendo à pergunta inicial (quais os melhores pontos vitais/ alvos a atingir durante um confronto): Os melhores alvos serão os mais acessíveis à nossa posição e situação específica.
Certa vez uma aluna de um instrutor de autodefesa procurou-o, muito perturbada; tinha sido assaltada. Contou que, enquanto se achava dentro do carro com o seu marido, viram-se na necessidade de parar num sinal. Como tinha descurado a precaução de trancar as portas, um motociclista abriu a do seu lado e agarrou o seu computador portátil, puxando-o e tentando arrancar-lho das mãos. Reagindo instantaneamente, ela atacou o primeiro alvo que viu: a correia de segurança do capacete dele, agarrando-a e batendo-lhe com a cabeça forte e repetidamente contra a carroçaria da porta. Aturdido, o homem largou o computador e fugiu, ao mesmo tempo que o marido metia mudanças e os levava dali.
O problema dela, e o que a perturbava muito, não era ter falhado, mas sim não ter sido capaz, no calor do momento, de escolher um alvo “melhor, mais eficiente” para concentrar o seu ataque!
Claro que poderia haver outros alvos a ser utilizados, e cada qual poderia analisar a situação à sua maneira, chegando a conclusões diferentes, mas o mais importante é que os alvos escolhidos por esta mulher cumpriram perfeitamente o seu objetivo. Assim, a resposta à pergunta colocada é realmente esta: os melhores alvos são os que conseguimos atingir do modo mais fácil, rápido e contundente para o nosso adversário.
Grosso modo, as áreas mais sensíveis (e mais fáceis de atingir) do corpo humano são: olhos, nariz, garganta e genitais. Há outros (joelhos, canelas, peito do pé, fígado, rins) mas acontece que são mais difíceis de atingir de modo eficaz, pois ou são mais pequenos ou estão mais bem defendidos pela sua disposição e constituição do corpo humano. Os alvos prioritários acima mencionados, pela sua situação, são facilmente acessíveis, praticamente desprotegidos por músculo ou osso e muito, muito sensíveis.
De qualquer forma, a escolha dum alvo depende muito da situação e da tua especificidade (acesso aos alvos, posição do atacante e do defensor, força e destreza do segundo, possibilidade de preparação, etc).
E atenção: se escolheres os teus alvos a priori, condicionando-te a reagir sempre do mesmo modo a um dado ataque (o grande defeito da maior parte dos métodos de autodefesa), isso vai limitar-te extraordinariamente; ao tentares prever os alvos que estarão disponíveis num conflito violento estarás sempre em desvantagem, pois este é um fator que vai sempre variar infinitamente.
Há inúmeros alvos no corpo humano, que podem causar uma resposta previsível quando golpeados com mais ou menos força. O melhor deles é... aquele que mais facilmente consegues atingir. É por isso que deves estudar os sete pontos prioritários, para os conheceres melhor e poderes utilizar se a isso fores obrigado.
Assim:
1º – Decide atacar;
2º – Vê que alvos estão acessíveis;
3º – Ataca-os até os atingires.
4º – Continua o ataque até o agressor ficar incapacitado e/ ou tu conseguires fugir.
5º – Foge!!!
Versão 2. Artigo escrito originalmente em 2016, agora
revisto e aumentado.