É
inquestionável e indiscutível, que uma das finalidades das artes marciais, a
par do desenvolvimento interior e espiritual do indivíduo, que as pratica e às
quais elas estão associadas, é a de possibilitar ao artista marcial ou praticante, enquanto
indivíduo livre e criador a obtenção de técnicas de autodefesa que lhe permitam fazer face a uma agressão, logo
tendo este pensamento presente, devemos saber qual a posição da lei e do
ordenamento jurídico enquanto sistema regulador de conduta social,
relativamente à problemática das artes marciais no conceito de Legítima Defesa.
A ordem
jurídica Portuguesa, no que se refere à Legítima Defesa (L.D.), pune as
agressões cometidas sobre terceiros, como um reflexo da boa convivência e
segurança em sociedade. O respeito ao próximo e a tolerância são valores que
devemos defender, daí que a sociedade através da lei pune quem comete
agressões, que vão desde a injúria verbal, passando pela ofensa à integridade
física, até ao homicídio.
Como é de
conhecimento geral, os cidadãos não devem tomar como responsabilidade sua a
aplicação do poder punitivo, pois este é um poder que pertence ao Estado, que o
exerce através das suas forças policiais e militares, de forma a evitar abusos
e injustiças de terceiros sobre os cidadãos inocentes.
No entanto,
por vezes, a realização imediata desse poder punitivo que é exclusivo do
Estado, não é possível, assim como por vezes, se deve agir de uma forma
imediata para se repelir uma agressão sobre pessoas ou bens, é nestas situações
em concreto que surge a figura da L.D., ou seja quando o indivíduo se depara
com uma situação em que está perante uma agressão, ou que esta é iminente e não
existe qualquer força policial ou militar, por perto que possa conter essa
agressão, é lícito ao indivíduo atuar de acordo com os seus próprios meios e
capacidades para repelir essa mesma agressão.
A L.D. é de
acordo com o anteriormente exposto uma causa de exclusão da ilicitude e está
prevista nos artigos 31º a 33º do Código Penal. Considera-se causa de exclusão
da ilicitude no sentido em que a ordem jurídica não pune certos atos, que
poderiam ser tomados como agressões e que como tais, puníveis, desde que se
enquadrem em determinados pressupostos e requisitos.
A L.D. está
prevista no artigo 32º do Código Penal "Constitui legítima defesa o facto
praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de
interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros", este artigo
estabelece certos requisitos que são essenciais para se poder atuar em L.D.
assim:
1- Os
interesses juridicamente protegidos – só se deve atuar para proteger um direito
que é protegido pela ordem jurídica no seu conjunto, ou como sistema unificado
de normas jurídicas. Considera-se como tal a vida, a honra, a saúde, etc......
2- A agressão
deve ser atual – isto significa que a agressão tem de estar a acontecer ou que
tem de ser iminente, e essa agressão é de tal modo intensa que deve ser
repelida (A L.D. não se restringe só à violência física, mas sim também à
violência verbal, psicológica ou espiritual).
3- A
impossibilidade de recurso ás forças de segurança – isto significa que devemos
estar impossibilitados de recorrer à polícia.
4- A
ilicitude da agressão – esta significa que é uma agressão que pretende violar,
direitos pessoais ou patrimoniais do indivíduo ou de terceiros, direitos estes
que são legalmente protegidos pela ordem jurídica.
Estando
definido o âmbito e o alcance do conceito de L.D. importa agora salientar um aspeto
que se prende com esse conceito e que está diretamente relacionado com a
prática das artes marciais e que é o excesso de legítima defesa, este assunto é
particularmente importante e todos os praticantes de defesa pessoal e artistas
marciais devem estar sensibilizados para este tema, pois se uma agressão pode
ser justificada através dos requisitos que foram enunciados anteriormente, se
esses requisitos forem ultrapassados ou excedidos essa agressão anteriormente
justificada e lícita, passa a ser ilegal e ilícita, revelando neste aspeto uma
particular importância a questão da proporcionalidade dos meios empregues.
Um cidadão
praticante de Artes Marciais, seja ele de que arte ou estilo for, deve ter a
preocupação de nunca exceder os limites do que é razoável e proporcional,
quando atua numa situação de confronto, pois é essa a linha que separa o que é
lícito do ilícito, em termos legais numa agressão, a proporcionalidade assume
pois uma especial relevância pois é esta que vai inconscientemente indicar ao
artista marcial, qual a técnica a utilizar perante uma determinada agressão,
para que essa mesma agressão esteja abrangida no âmbito da L.D. caso isto não
suceda, ou seja a atuação proporcional à agressão sofrida, caímos no âmbito do
excesso de legítima defesa que é ilegal e que não exclui a ilicitude.
O excesso de
L.D. está previsto no artigo 33º do Código Penal, e o nº 1 deste artigo abrange
o chamado excesso intensivo de meios usados, que sucede, quando alguém agride
violentamente outrem por uma injúria, ou seja esta situação caracteriza-se por
uma desproporcionalidade efetiva do meio utilizado, para repelir uma agressão
(a um crime de injúrias, o ofendido não vai atuar de forma a provocar-se um
crime de ofensas corporais, pois isto seria extremamente excessivo e
desproporcional).
O nº2 do artigo
33º refere-se à defesa realizada, nos chamados estados asténicos (perturbação,
medo ou susto) o que se implica que, se a defesa for efetuada sob qualquer um
destes estados de pressão emocional ou psicológica, quem atua mesmo que utilize
um meio não adequado ou desproporcional, não será legalmente punido, ou seja
qualquer defesa efetuada sob o efeito de um destes estados será sempre
considerada lícita e excluíra a ilicitude.
Deste último
aspeto resulta igualmente que, só poderá agir com L.D. um indivíduo que não
tenha provocado essa agressão, porque se a agressão for provocada por quem se
defende estará a agir de uma forma ilegal.
Após a
análise de todos os requisitos que de acordo com o Código Penal, nos permitem
falar sobre L.D. face a uma agressão, a conclusão a que podemos chegar é que um
cidadão que utiliza os seus conhecimentos de autodefesa para repelir uma
agressão ilegal, contra a sua própria pessoa ou bens, ou contra terceiros e respetivos
bens, está legitimado para utilizar as suas técnicas e adaptá-las ao tipo de
agressão que está a sofrer, isto para não vir ele a ser acusado de agressão. E
considerando que algumas técnicas são suscetíveis de causar a morte ou graves
danos, estas apenas devem ser utilizadas em casos extremos, em que está efetivamente
ameaçada a nossa própria vida, para que possamos através da nossa atuação
estarmos isentos de responsabilidades de nível legal.
Assim e
tendo em conta que a prática das artes marciais proporciona ao seu praticante o
uso das suas armas naturais, que deve e pode empregar frente a uma agressão,
deve-se ter consciência que a sua utilização deve ser sempre feita de uma forma
racional, adequada e proporcional face às circunstâncias da agressão.
Em conclusão
importa apenas referir que normalmente, um artista marcial sério e experiente, dispõe não só
de um grande número de técnicas de defesa pessoal ao seu dispor, que lhe
permitem ter mais hipóteses de sobreviver a uma situação de violência, como
também detém uma maior confiança e segurança em si próprio, obtidas através do
seu treino, quer no plano físico e
técnico, quer no plano espiritual e filosófico, que lhe permitem responder de
uma forma proporcional e adequada, face
a uma agressão ilegítima contra ele efetuada.
Agradecemos ao jurista Duarte Laja, nosso aluno (2007), a colaboração para este artigo.
As várias formas da legítima
defesa analisadas à luz do que diz o código penal:
Legítima defesa pura − Conduz
à absolvição do arguido (com frequência in dubio pro reo), porque o
tribunal considera que o indivíduo atuou com meio proporcional face às
circunstâncias do ato ilícito (agressão ou roubo) que sofreu, ou que viu um
terceiro ser vítima.
Legítima defesa putativa − São
casos em que os juízes concluem que o arguido considerou, erroneamente, que se
encontrava numa situação de legítima defesa. Não há, por isso, culpa dolosa,
mas apenas negligência. Dá lugar a uma pena especialmente atenuada, suspensa na
sua execução.
Excesso de legítima defesa − É
assim classificada quando o tribunal verifica a desproporção do meio utilizado
pelo arguido para repelir a agressão de que foi vítima. Em regra, é aplicada
uma pena especialmente atenuada e suspensa. Mas pode também dar lugar à
absolvição, se o referido excesso resultar de "perturbação, medo ou susto, não
censuráveis".
Direito de necessidade − É
um conceito usado como causa de exclusão de ilicitude, quando o arguido agiu
para afastar uma circunstância de perigo que o ameaçava, a si ou a um terceiro.
No entanto, têm de existir dois pressupostos fundamentais: essa situação de
perigo não pode ter sido voluntariamente criada pelo arguido; e a
"superioridade" do "interesse a salvaguardar", face ao "interesse sacrificado",
tem de se revelar "sensível" e "razoável".
Estado de necessidade
desculpante − Exclui a culpa e a condenação se o ato ilícito cometido pelo
arguido se mostrar a única forma existente, no momento, para afastar um perigo
que ameaçava a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do próprio ou
de um terceiro. E se os "interesses jurídicos" ameaçados forem outros que não
os referidos, e "não for razoável exigir ao arguido comportamento diferente", a
pena pode ser especialmente atenuada ou mesmo dispensada.
autodefesa.pt
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