A internet e as redes sociais são terreno fértil para esquemas fraudulentos. Com cada vez mais pessoas a recorrer a sites e apps de encontros para fugir à solidão imposta pelo confinamento, é preciso estar alerta para evitar dissabores.
Sem poderem sair de casa para conviver e conhecer novas pessoas, muitos internautas viraram-se para as redes sociais e para as apps ou sites de encontros para encontrar uma cara-metade. Mas conhecer pessoas através de um ecrã não está isento de riscos. Há cada vez mais criminosos que procuram estas plataformas com o objetivo de burlar utilizadores mais vulneráveis e que, através de perfis falsos, tentam estabelecer um vínculo emocional com as suas vítimas para lhes pedir dinheiro assim que conquistam a sua confiança.
Que esquemas estão por trás destes crimes online?
Embora não existam números da criminalidade praticada na internet em Portugal, uma vez que as estatísticas da Justiça portuguesa aglomeram os crimes de acordo com o seu tipo legal e não pelo contexto em que ocorrem, têm vindo a ser reportados, com cada vez maior frequência, por exemplo, casos de extorsão sob ameaça de divulgação de imagens íntimas na internet - sextorsion ou revenge porn. Quem o diz é o Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República, que, em declarações à DECO PROTESTE, explica que estas situações resultam frequentemente “de ruturas de relações interpessoais”.
“Noutros casos, estão em causa imagens produzidas e originariamente partilhadas pelas próprias vítimas - esta situação é sobretudo frequente quanto a crianças e adolescentes (...). Por outro lado, tem recentemente vindo a ganhar dimensão as queixas de burlas associadas a relacionamentos pessoais online. Têm vindo a ser noticiadas diversas situações em que vítimas, geralmente do sexo feminino, se queixam de terem sido abordadas, online, por homens que não conheciam - o exemplo mais frequente é o de supostos militares americanos no Médio Oriente. Normalmente, o contacto inicial é feito através de redes sociais, evoluindo para um relacionamento mais próximo, via e-mail ou WhatsApp”, acrescenta o Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República.
Esta sedução, explica ainda o
Gabinete de Cibercrime da Procuradoria-Geral da República, acaba por culminar
com pedidos para que as vítimas entreguem quantias em dinheiro a “amigos”
destes criminosos, que usam como argumento problemas de saúde ou a vontade de
comprar passagens aéreas para visitar pessoalmente as vítimas em Portugal.
“Invariavelmente, as vítimas
acabam por efetivamente fazer transferências de quantias para bancos
estrangeiros, por vezes na ordem das dezenas de milhares de euros. Estes pedidos
vão sendo crescentes, até ao ponto em que as vítimas acabam por estranhar e
fazem queixa. Nessa altura, em regra, os ‘amigos’ das vítimas desaparecem da
internet, e não é mais possível contactá-los, vindo a verificar-se que os dados
da sua identificação, e eventuais fotografias, eram falsos”, conclui a
Procuradoria-Geral da República.
Burlas online aumentam
Este cenário é semelhante ao
relatado por Ricardo Estrela, gestor da Linha Internet Segura da AssociaçãoPortuguesa de Apoio à Vítima (APAV), que confirma que este tipo de burlas tem
vindo a aumentar.
“Não consigo especificar o número de situações relacionadas com burlas que têm proveniência em serviços, sites ou apps de encontros online, mas posso referir que ao longo dos anos 2019 e 2020 a Linha Internet Segura recebeu um total de 30 contactos no que diz respeito a burlas online, e algumas destas tinham essa proveniência (...). Mas a cibercriminalidade subiu com a pandemia. Se em 2019, ao longo de todo o ano, recebemos cerca de 100 pedidos de apoio para a linha, no ano de 2020 recebemos quase 600 pedidos de apoio na Linha Internet Segura”, afirma.
Segundo Ricardo Estrela, os
burlões que se movem em apps de encontros e redes sociais utilizam esquemas
habilidosos e criam perfis falsos convincentes para atrair as vítimas: “Depois
de obterem a confiança da vítima, solicitam sempre alguma quantia em dinheiro,
e aqui os pretextos podem ser vários. Os mais comuns são o pedido de ajuda
médica a uma familiar próximo ou ajuda na regularização da documentação para
viajarem para Portugal."
“Também já aconteceu casos em que
o burlão falsifica documentos simulando a compra de habitação em Portugal,
solicitando empréstimos sucessivos à vítima para a celebração desta suposta
compra. Em termos genéricos, o objetivo do burlão é sempre obter o máximo de
informação sobre a vítima, com essa informação criar uma narrativa de forma a
captar o seu interesse, ganhar a confiança da vítima e depois pedir quantias em
dinheiro”, conclui o gestor da Linha Internet Segura da APAV.
Que cuidados ter para namorar
online
Embora os esquemas fraudulentos na internet sejam cada vez mais criativos, há elementos em comum, independentemente da vítima e da plataforma ou site utilizado. Estes são os cuidados que deve ter se recorrer a apps ou sites de encontros online:
● use apenas sites de dating fidedignos e reconhecidos, mas esteja alerta
porque o cibercriminoso também os usa;
● faça perguntas e não acredite
em histórias destinadas a manter o interesse;
●desconfie sempre de situações
em que o interlocutor, rapidamente, comece a declarar um interesse
desproporcionado (tenha presente que estes são bastante experientes,
conseguindo dissimular um interesse genuíno) ou a pedir uma forma de
comunicação direta, fora destas plataformas;
●deve ficar alerta se existirem
várias desculpas para evitar um encontro presencial;
● tenha cuidado com o que
partilha, de forma pública, nas redes sociais. Estes cibercriminosos podem usar
essa informação para simular interesses comuns consigo;
● não partilhe dados pessoais
como a morada ou o número de telemóvel;
● não acredite em tudo à
primeira. Pesquise os perfis e as fotografias em várias fontes de informação,
como o motor de pesquisa de imagens TinEye ou o Google, que também permite
pesquisar por imagens. Desconfie de perfis com apenas uma ou duas fotografias,
que tenham fotografias com baixa resolução, apenas da silhueta ou com
enquadramentos que não revelam a face;
● faça uma pesquisa no Google
usando alguns parágrafos das mensagens que lhe são enviadas pelo seu
interlocutor via chat ou e-mail. Assim, conseguirá perceber se lhe foi enviada
alguma mensagem que já tenha sido identificada como burla;
● verifique erros ortográficos
que indiciem que a língua em que a pessoa está a comunicar não é a sua língua
nativa. Se a pessoa apenas comunicar por escrito e evitar chamadas de voz, deve
ficar alerta;
● se conheceu o seu interlocutor
através de uma app ou plataforma de encontros online, fique alerta se este lhe
fizer vários pedidos para que passem a comunicar noutras plataformas de chat
como Facebook Messenger, WhatsApp, Telegram, SMS, Yahoo Messenger ou Skype;
● guarde como meio de prova todos
os registos das comunicações feitas com o seu interlocutor. A Polícia
Judiciária recomenda que tire screenshots. Em dispositivos Android, basta
carregar simultaneamente nos botões de reduzir o volume e de ligar. No iPhone,
deve carregar nos botões home e de ligar ao mesmo tempo (nas gerações mais
recentes, que não têm botão home, use os botões de ligar e aumentar o volume em
simultâneo);
● reporte o perfil do seu
interlocutor à plataforma de encontros online onde o conheceu se desconfiar que
está a ser burlado. Assim, estas plataformas conseguem mais facilmente
identificar os perfis falsos e bloqueá-los;
● se tiver facultado dados
bancários ao burlão, contacte o banco onde a conta está domiciliada logo que
possível. Dessa forma, o seu banco poderá cancelar os acessos e bloquear a
conta, evitando danos futuros.
Se for enganado, deve apresentar
queixa-crime
Se alguma vez cair na teia destes criminosos em plataformas de dating ou nas redes sociais, deve apresentar queixa. A burla, em qualquer das suas vertentes — simples e qualificada — , é provavelmente o tipo de crime mais frequente no âmbito destes esquemas online, mas podem estar em causa outros tipos de crime, como furto, extorsão, ofensa à integridade física (quando acaba por haver contacto pessoal) ou devassa da vida privada, entre outros.
A primeira coisa que deve fazer é
entrar em contacto com uma autoridade policial. As queixas-crime podem ser
apresentadas em qualquer autoridade policial, como PSP, GNR, Polícia Judiciária
ou junto dos serviços do Ministério Público. Estas entidades têm o dever de
receber as queixas que lhes sejam apresentadas. Se a competência para
investigar os factos não for do órgão ao qual apresentou a queixa, a mesma será
reencaminhada para a entidade competente.
Além disso, quando apresentar a queixa, ser-lhe-ão pedidos todos os elementos que possam ajudar na investigação, tais como: dia, hora, local, circunstâncias em que o crime terá sido cometido, identificação do suspeito, se for conhecida, e eventual indicação de testemunhas.
A apresentação de queixa é
maioritariamente gratuita — com exceção das queixas de crimes particulares,
para as quais é necessário pagar a taxa de justiça (não é o caso da burla
simples, nem da qualificada) — e não requer a constituição de advogado (embora
o interessado possa decidir constituir). Depois de apresentar a queixa,
receberá um certificado do registo da denúncia que deverá conter todos os
elementos essenciais sobre a mesma. Se este documento não lhe for entregue,
deve exigi-lo.
Como apresentar queixa através
da internet
Pode ainda apresentar queixa-crime através da internet. As queixas eletrónicas podem ser apresentadas através do Sistema Queixa Eletrónica. Para isso, deve escolher o tipo de crime que pretende denunciar e, se não souber, o site apresenta uma breve descrição dos factos que podem configurar cada tipo de crime para que saiba enquadrar o comportamento de que foi alvo.
Depois, ser-lhe-ão pedidos vários dados, nomeadamente a janela temporal em que os factos terão ocorrido, a descrição da queixa, a identidade do suspeito, se for conhecida, entre outros. Mas atenção: a queixa eletrónica só é admissível em determinados tipos de crime, entre os quais a burla, a extorsão e o furto, deixando de fora, por exemplo, a devassa da vida privada.
A Polícia Judiciária já permite, contudo, apresentar queixa online no seu próprio site. Para isso, deve entrar na página desse órgão policial, autenticar-se com o cartão de cidadão e os respetivos códigos, e preencher o formulário da queixa.
Se não quiser proceder à queixa
por via eletrónica, quer na plataforma acima mencionada, quer no site da
Polícia Judiciária, ou se o tipo de crime não couber nas competências da
respetiva plataforma eletrónica, deve sempre contactar a autoridade policial
mais próxima, a Polícia Judiciária ou os serviços do Ministério Público.
Dossiê técnico - António Alves,
Magda Canas e Pedro Mendes
Texto - Ana Rita Costa e Alda
Mota
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