14 de junho de 2015

600 mil portugueses já foram vítimas de assédio moral no trabalho

Mulheres são as principais vítimas, mas a tendência está a mudar. Há cada vez mais homens vítimas de assédio moral, mas também sexual.



Em Portugal, 16,5% da população já sofreu, pelo menos uma vez durante a sua vida profissional, de alguma forma de assédio moral no trabalho. Feitas as contas, são cerca de 600 mil portugueses as vítimas de assédio no local de trabalho, um número que desce ligeiramente quando o assunto é assédio sexual: 12,6% da população activa em Portugal já foi vítima, pelo menos uma vez na vida, de alguma forma de assédio sexual no trabalho. Os dados constam do estudo "Assédio Sexual e Moral no local de trabalho em Portugal", coordenado pela professora Anália Torres e desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que foi apresentado na semana passada.
Os resultados deste inquérito a 1801 pessoas mostram que ainda são as mulheres as principais vítimas tanto de assédio moral (16,7%), como de assédio sexual (14,4%). Mas importa, também, salientar que os homens são cada vez mais vítimas de assédio no local de trabalho, embora seja mais frequente serem vítimas de assédio moral (15,9%) do que sexual (8,6%).
Já no que toca às formas de assédio moral mais marcantes, para ambos os géneros, a situação mais frequente é ser sistematicamente alvo de situações de stress com o objectivo de levar ao descontrolo (38,2% nos homens e 41,8% nas mulheres). Em segundo lugar encontra-se a desvalorização sistemática do trabalho (27% nos homens e 31,3% nas mulheres). E importa salientar que tanto homens, como mulheres, são fundamentalmente assediados moralmente pelos patrões, superiores hierárquicos e chefes directos: 83,1% dos homens e 82,2% das mulheres), sendo os colegas os segundos autores mais mencionados, embora a um nível muito menos expressivo.
Quando se analisam as formas de assédio sexual mais marcantes, registam-se algumas diferenças entre homens e mulheres. Para os homens, as formas de assédio sexual mais marcantes são perguntas intrusivas e ofensivas acerca da sua vida privada (22,9%), as piadas ou comentários ofensivos sobre o seu aspecto ou olhares insinuantes que o fazem sentir ofendido (14,6%). Enquanto para as mulheres, as situações mais marcantes estão relacionadas com aproximações físicas: olhares insinuantes que a fazem sentir ofendida (23,5%), contactos físicos não desejados (20,1%), e só depois surgem as piadas ou comentários ofensivos sobre o seu aspecto (14,5%).
No caso das mulheres sexualmente assediadas no local de trabalho, verifica-se que o autor mais frequente dessas situações é o superior hierárquico ou chefe directo (44,7%), seguindo-se os colegas (26,8%), e finalmente, os clientes, fornecedores e utentes, que são responsáveis por 25,1%) destes casos. No caso dos homens, verifica-se uma quase repartição em três relativamente aos autores mais frequentes de situações de assédio sexual: os superiores hierárquicos e chefes directos em 33,3% dos casos, os colegas em 33,1% e os clientes, fornecedores e utentes em 29,2%.
Este estudo desenvolvido ISCSP e pela CITE deixa ainda um dado importante, que pode ler-se nas conclusões: "comparando com os dados do primeiro inquérito sobre assédio sexual em Portugal (1989), verifica-se que agora há mais assédio por parte dos patrões, superiores hierárquicos ou chefes directos e menos incidência de casos da autoria de colegas de trabalho.
Joana Moura / Económico 

Maior parte das vítimas de assédio no trabalho tem vínculo precário

De acordo com os dados do estudo, entre os 1.801 inquiridos, numa amostra representativa da população ativa, mais de 50% das pessoas vítimas de assédio moral tem contrato a prazo.


A maioria das pessoas que são vítimas de assédio sexual ou moral no local de trabalho tem um vínculo laboral precário, entre contratos a termo, recibos verdes ou estágios, sendo a maioria das vítimas mulheres, revela um estudo.
Os dados resultam do projeto de pesquisa "Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho em Portugal", desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), e da responsabilidade da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que foram apresentados hoje.
"Homens e mulheres nessa situação [vinculo precário] são os que são mais alvo de assédio, quer moral, quer sexual", apontou a coordenadora do estudo, Anália Torres, sublinhando que esta é uma situação que vitimiza sobretudo mulheres.
De acordo com os dados do estudo, entre os 1.801 inquiridos, numa amostra representativa da população ativa, mais de 50% das pessoas vítimas de assédio moral tem contrato a prazo.
Situação idêntica ocorre nos casos de assédio sexual, onde 49% das pessoas inquiridas revelaram estar com contrato a termo na altura do incidente, havendo igualmente 1,5% a recibos verdes, 1% em estágio remunerado e 1,5% em estágio não remunerado.
Dentro do assédio moral, os setores onde há maior incidência de casos são o comércio por grosso e a retalho, bem como o setor da hotelaria e restauração.
Distinguindo por género, as situações de assédio moral nos homens ocorrem sobretudo no comércio por grosso e retalho (17%), alojamento e restauração (15,9%) e construção (12,5%).
Entre as mulheres, as situações de assédio moral acontecem sobretudo nos setores de alojamento e restauração (16,9%), comércio por grosso e retalho (16,4%) e atividades administrativas (9,7%).
"Homens (83,1%) e mulheres (82,2%) são, fundamentalmente, assediados moralmente pelos patrões, superiores hierárquicos e chefes diretos", lê-se no estudo.
Como reação, homens (42,7%) e mulheres (40,9%) admitiram ter ficado à espera que a situação não se repetisse, havendo mesmo quem dissesse que não fez nada sobre o assunto.
No que diz respeito ao assédio sexual, os setores laborais onde os casos mais ocorrem são o comércio por grosso e retalho, alojamento e restauração.
Por género, é possível verificar que a maioria das mulheres (20,9%) trabalhava no comércio por grosso e retalho, enquanto os homens repartem-se entre o setor do alojamento e restauração (14,9%) e a construção (12,8%).
Entre os casos de assédio sexual, a esmagadora maioria (82,4%) dos autores dos abusos são homens.
A reação de homens (47,9%) e mulheres (60,3%) foi a de esperar que a situação não se repetisse, havendo também 37,5% de homens e 11,2% de mulheres que admitiram não ter feito nada.
"A reação das mulheres e dos homens é condicionada por medo de sofrerem consequências profissionais", lê-se no estudo.
Perante o aumento das taxas de desemprego e das relações laborais precárias, Anália Torres admite que estes casos continuem a aumentar, mas disse esperar que com este estudo haja uma maior consciencialização do fenómeno e, consequentemente, combate ao fenómeno.

Fonte: DN/Portugal


A violência teve-as reféns, mas na casa abrigo a escola torna cada dia uma vitória


A violência doméstica tornou-as reféns da sua própria vida, mas na casa de abrigo têm aulas, ganham novas competências e isso aumenta-lhes a autoestima, tal como aconteceu com Maria, para quem todos os dias são uma vitória.
Maria, nome fictício, chegou à casa de abrigo em novembro do ano passado, com os filhos, depois de "muitos anos de violência". No princípio da relação, que durou oito anos, foram empurrões, ameaças, ao mesmo tempo que ele a fazia sentir-se uma pessoa incapaz.
Nos últimos quatro anos a agressividade do companheiro piorou. Batia-lhe com a cabeça na parede, não queria vê-la com mais ninguém, nem com amigos, e dizia que ela era uma "oferecida".
Hoje sente-se "segura" e "livre", mas ainda tem medo. Medo pela família, que vive próxima do agressor, e medo por ela, que ainda tem a "sensação que parece que ele ainda está aí".
Entretanto, desde março, começou a ter aulas, ao abrigo do projeto "A Escola vai à Casa Abrigo", uma iniciativa do atual Governo que visa aumentar a aquisição de competências das mulheres vítimas de violência doméstica.
"Estamos a falar de competências ao nível da escrita, da leitura, que podem ser bastante úteis na procura de um emprego, na preparação de um currículo, mas também para trabalhar competências que, apesar de escolares, são também úteis à organização da sua vida", explica o coordenador clínico da casa de abrigo que a Lusa visitou.
Mauro Paulino lembra que é estratégia de muitos dos agressores isolarem socialmente a vítima, o que tem como consequência que estas mulheres cheguem às casas de abrigo sem competências, seja ao nível dos estudos ou do trabalho.
"Foram reféns da sua própria vida", aponta, lembrando que muitas tinham que ficar em casa a cuidar dos filhos ou tinham companheiros que, pelos "ciúmes excessivos", não as deixavam sair de casa.
A professora Maria Filomena Galvão é quem, na prática, leva a escola à casa de abrigo e tenta que estas mulheres tenham mais formação ou relembrem a formação que tinham.
Segundo Maria Filomena, as dificuldades das várias mulheres são díspares e tanto já ensinou uma portuguesa com o 12.º ano, como uma estrangeira que tinha muitas dificuldades no português e nas contas básicas ou outras "que não têm sequer o nível [de ensino] básico concluído".
"Tento fazer-lhes ver que aquilo que lhes trago, por muito pouco, é sempre uma contribuição para que elas se sintam mais à vontade e (...) se sintam mais confiantes para poderem viver o seu dia-a-dia e enfrentar o mercado de trabalho, por exemplo", conta a professora.
Nas aulas, as matérias dadas vão do inglês, à informática, passando pelo português, mas também se ensina a procurar emprego, a elaborar um currículo ou escrever uma carta de apresentação.
"A minha vitória aqui é todos os dias porque para além de ser uma professora (...) também é uma amiga, uma amiga com quem vamos falando, a quem vamos contando um bocado as nossas preocupações do dia-a-dia e ela vai-nos mostrando que mesmo com o simples português ou simples matemática, nós não somos assim tão burrinhas ou tão inúteis como pensava", aponta Maria.
Mauro Paulino sublinha mesmo que esta aquisição de competências não só traz a estas mulheres um "impacto de autoestima", em que se tornam mais aptas a resolver as questões do dia-a-dia, como ajuda a neutralizar as crenças que banalizam os processos de violência doméstica.
"Ficam mais capazes para reconhecer sinais que denunciam novas situações de violência doméstica, até porque na relação com a professora acabam por reconhecer um novo modelo de relação, com outras referências que acabam por absorver, o que também é positivo para a autonomia dessas senhoras", explica.
Maria sonha agora com um emprego, terminar o 12.º ano, conseguir acompanhar os filhos na escola, mas deixou de idealizar muito porque quando as coisas não correm como quer, desmoraliza.
"Já não sonho. Sonhei muito e muitas vezes caí, agora é aos poucos", diz.
O projeto "A Escola vai à Casa Abrigo" arrancou em janeiro de 2015 e foi implementado em 14 casas de abrigo, em sete distritos do país, ainda em formato piloto.
Estão atualmente 82 mulheres a beneficiar desta formação, para a qual foram selecionados 21 professores.

Por Susana Venceslau (texto) e Pedro Martins (imagem), da agência Lusa