A violência nas famílias é maioritariamente focada nos agressores adultos e nas crianças como vítimas. E quando são os filhos os agressores? E quando são as crianças que ultrapassam todos os limites?
Infelizmente tem-se observado um crescente aumento da violência por
parte dos filhos aos seus pais, familiares, amigos, professores... As
estruturas das relações nas famílias tem sofrido uma inversão de poderes
e papeis, acompanhadas de várias mudanças do mundo atual relativamente
às pautas e valores pelos quais os seres humanos se regem, e que
transforma a forma como cada um de nós se vê a si próprio e aos outros.
A
maior parte dos protagonistas deste tipo de agressões são crianças ou
adolescentes do género masculino, entre os 7 e 18 anos, mas
especialmente entre os 15 e os 17. Segundo os estudos, no geral, este
tipo de comportamento verifica-se com mais frequência em famílias de
classe media e alta, do que nas de classe mais baixa. (Cottrel, 2001)
Trata-se
de uma violência que se evidencia tanto de forma física como
psicológica, desde ameaças e insultos a agressões físicas de intensidade
distinta. Falamos de uma violência ascendente, que tenta desafiar
regras através de uma forte oposição e rejeição dos limites
estabelecidos pelos pais, muitas vezes com fugas de casa, abandono dos
estudos, com o intuito de magoá-los, controla-los e sobrepô-los.
Para
os pais, que vão vendo este comportamento a desenvolver-se e a crescer,
inicialmente vão aguentando e suportando esta situação, tentando
desculpar os filhos devido à sua idade, à sua personalidade, ou até
mesmo por sentirem vergonha, autopercepcionando-se fracassados como
pais. Com o tempo e manutenção desta interação familiar, as agressões
vão-se intensificando, chegando a um ponto insuportável, e os pais “não
aguentam mais”. A sensação de impotência e vergonha torna-se crescente e
também eles chegam ao ponto de passar à agressão ao filho, por não
conseguirem verem outras saídas possíveis. Neste sentido, o conflito
familiar torna-se caótico, e as relações giram em torno da violência,
num ciclo que se retro-alimenta sucessivamente.
Por um lado
encontramos crianças ou adolescentes que não aprenderam a expressar ou a
regular as suas emoções e necessidades e que as “explodem” através de
comportamentos agressivos, tentanto afirmar as suas vontades, presença e
poder. Por outro lado, podemos ter pais que têm grande dificuldade e
até medo de impor desde cedo regras, limites e disciplina e que podem
ter educado os filhos no sentido do preenchimento imediato de todos os
seus desejos, sem exigências e responsabilidades e com pouca
disponibilidade emocional e afetiva.
Muitas vezes os filhos acabam
por crescer com a ideia de que são únicos e especiais, não tendo assim
consciência de regras que regulam a convivência. Os outros passam a ser
meros instrumentos para a satisfação dos seus desejos e quando estes são
recusados, partem para a agressão. Negam a existência de pautas de
comportamento externas à deles, não aceitam outros pontos de vista e não
sentem o dever de cumprir.
Por outro lado, um estilo parental
oposto também poderá também influenciar pautas de comportamento
agressivas, ou seja, quando os pais são extrema e excessivamente
rigorosos e penalizadores, com imposição de limites e regras
indiscriminados, (acompanhado de ausência de afeto e carinho) podem
surgir também comportamentos de revolta e violência contra aos pais.
Nalguns
casos, pode observar-se também a influência da violência aprendida,
segundo o princípio que “violência gera violência”. Quando desde
pequenino se aprende que os conflitos se resolvem com violência, e que
esta permite prevalecer, caso se vá observando que o pai bate na mãe, ou
que os pais batem em colegas ou vizinhos, então esta mesma estratégia é
adotada inclusivamente contra os próprios pais, de forma a serem os
filhos a controlar e a mandar em tudo. As crianças desde cedo
interiorizam que a violência contra os pais é um instrumento eficaz de
comunicação das suas emoções e pensamentos, bem como de controlo e
superioridade. Este fenómeno de violência torna-se extremamente
preocupante e requer intervenção especializada ao nível da terapia
individual para filhos e pais e primordialmente ao nível da Terapia
Familiar com todos.
Para prevenir este tipo de comportamentos, a coerência e o afeto serão os elementos fundamentais:
-
É importante que os pais possam manter sempre os mesmos critérios desde
tenra idade dos seus filhos (em que um “sim “ é um “sim” e um “não” é
um “não”) havendo ainda continuidade e permanência desses critérios ao
longo do tempo;
- É também importante a imaginação e a
criatividade, estando com os filhos nos seus jogos e brincadeiras,
partilhando desejos, que assim se convertem em desejos de “todos” e
podem ser modificados (Rodríguez, 2004);
- Os pais têm ainda um
papel fulcral no ensino da expressão e regulação emocional dos filhos. É
com eles que as crianças aprendem a gerir e a comunicar as suas emoções
e necessidades de forma sustentada;
- Também a escola tem uma
posição fundamental, devendo utilizar procedimentos inclusivos desde
cedo, que fomentam a resolução de conflitos entre as crianças de forma
pacífica e comunicativa;
- É ainda importantíssimo que os pais
possam transmitir um genuíno afeto aos filhos, de forma a que eles o
sintam, de forma vital e quotidiana, quer através de um abraço, um
beijo, ou um elogio pelas suas qualidades;
- Os pais poderão ser
como um chapéu-de-chuva protetor da criança diante dos demais. Mas tal
deve ser acompanhado com “educação para a responsabilidade”e autonomia
(em que a criança se torna responsável pelos seus atos e decisões) e com
“educação para a empatia”(Naouri, 2003), ensinando-os a comunicar e a
colocar-se no lugar dos outros, permitindo-lhes ser indivíduos
solidários e felizes com eles próprios, com as suas famílias e com a
sociedade.
Vanessa Damásio
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta Familiar e Conjugal
Psinove - Inovamos a Psicologia www.psinove.com
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